Robert Eggers, um dos mais aclamados diretores da atualidade, conhecido por sua habilidade de misturar precisão histórica e atmosferas inquietantes, entrega em Nosferatu (2024) um filme que pode ser descrito como um marco visual e narrativo. Com um respeito quase reverencial pelo clássico expressionista de 1922, dirigido por F.W. Murnau, Eggers reinventa o mito do vampiro em um épico que é tão sombrio quanto grandioso.
É quase inevitável falar de Nosferatu (2024) sem traçar paralelos com o filme original de 1922. A obra de Murnau foi pioneira em capturar o horror do sobrenatural em imagens que até hoje ecoam no imaginário coletivo. O Conde Orlok de Max Schreck tornou-se um símbolo do grotesco e do inquietante. Eggers, por sua vez, reconhece a importância histórica dessa narrativa, mas também a subverte, oferecendo uma interpretação mais psicológica e visceral do mito.
Enquanto o filme de 1922 era uma adaptação não autorizada de Drácula, que inseria elementos inovadores para evitar processos legais — como o próprio nome “Orlok” em vez de “Drácula” —, Eggers opta por uma abordagem que abraça integralmente o texto original de Bram Stoker. Ao mesmo tempo, preserva traços distintivos do Nosferatu clássico, como a fragilidade do vampiro à luz do sol e sua figura doentia e quase animalesca. Isso faz de Nosferatu (2024) uma obra que se equilibra entre homenagem e reinvenção.
Eggers sempre demonstrou uma preocupação singular com a autenticidade histórica, e Nosferatu não é exceção. Ambientado em meados do século XIX, o filme mergulha profundamente na atmosfera gótica e decadente da Europa Central. Os cenários variam entre castelos sombrios, aldeias decadentes e florestas cobertas por nevoeiro, criando uma sensação de isolamento e mistério. A produção filmada em locações autênticas, como os castelos de Rožmitál pod Třemšínem e Pernštejn, confere à obra uma textura visual quase tangível.
A fotografia assinada por Jarin Blaschke, colaborador frequente de Eggers, é um dos pontos altos do filme. Utilizando película de 35mm, Blaschke opta por uma paleta de cores dessaturada, que remete às tonalidades do cinema expressionista, mas com uma profundidade de campo e um jogo de luz e sombra que apenas a cinematografia contemporânea poderia oferecer. O uso inteligente da iluminação natural em diversas cenas é um tributo ao realismo e também uma ferramenta narrativa que intensifica a tensão.
O trabalho de figurino, liderado por Linda Muir, merece uma menção especial. Cada roupa foi projetada para refletir o contexto social e cultural da época, desde os trajes simples dos aldeões até os vestidos elaborados da personagem Ellen Hutter (interpretada por Lily-Rose Depp). Os tecidos e cortes utilizados são autênticos ao período, mas também servem para expressar a psicologia dos personagens. Ellen, por exemplo, é frequentemente vista em roupas que contrastam com sua personalidade inquieta, sugerindo sua dualidade entre conformismo e rebeldia.
A maquiagem de Bill Skarsgård como Conde Orlok foi alvo de polêmicas desde os primeiros materiais promocionais. Sua aparência grotesca é um afastamento radical das representações mais glamorosas de vampiros na cultura pop. Skarsgård se submeteu a um processo de transformação que incluía próteses faciais, lentes de contato que obscureciam sua visão e dentes postiços que dificultavam sua dicção. O resultado é um Orlok que é ao mesmo tempo repulsivo e hipnotizante, evocando mais piedade do que medo.
Embora o filme conte com um elenco repleto de talentos, algumas atuações não correspondem à grandiosidade da produção. Lily-Rose Depp, como Ellen Hutter, entrega uma performance competente, mas falta-lhe a intensidade necessária para certas cenas cruciais. Por outro lado, Nicholas Hoult, como Thomas Hutter, traz uma energia e vulnerabilidade que tornam seu personagem extremamente humano e relacionável. Willem Dafoe, como o misterioso Dr. Von Franz, é outro destaque, conferindo profundidade e ambiguidade ao seu papel.
Bill Skarsgård, apesar de limitado pelas próteses, transmite uma presença magnética que domina a tela. Seu Orlok é uma figura trágica, quase shakespeariana, cujas ações monstruosas são equilibradas por momentos de patética humanidade.
Robin Carolan, que já havia colaborado com Eggers em O Homem do Norte, assina a trilha sonora, que é uma verdadeira obra-prima. Misturando instrumentos clássicos com sons experimentais, Carolan cria uma paisagem sonora que complementa perfeitamente a narrativa. Algumas faixas foram compostas antes mesmo das filmagens e tocadas no set, ajudando a estabelecer a atmosfera desejada pelo diretor.
A ambientação do filme é igualmente impressionante. Os cenários foram construídos com uma atenção quase obsessiva aos detalhes. Cada elemento, desde os móveis até os objetos decorativos, foi escolhido para refletir o período e contribuir para a narrativa. Eggers é conhecido por sua insistência em autenticidade, e isso é evidente em cada quadro de Nosferatu.
Embora seja tecnicamente uma adaptação de Drácula, o filme explora temas que vão além do texto de Stoker. A sexualidade feminina, por exemplo, é um dos tópicos centrais. Ellen Hutter é retratada como uma mulher complexa, cuja relação com Orlok simboliza tanto o desejo quanto o medo. No entanto, algumas cenas que exploram esse tema são repetitivas, o que pode levar o espectador a sentir que o filme se estende além do necessário.
Outro aspecto digno de nota é a exploração da mortalidade e da obsessão. Orlok é um personagem que personifica o horror da imortalidade, enquanto os humanos ao seu redor lutam para compreender sua própria fragilidade.
Na primeira vez que se assiste a Nosferatu (2024), é fácil sentir-se sobrecarregado pela densidade visual e temática do filme. No entanto, uma revisão revela camadas de significado e uma precisão artística que fazem desta obra um dos filmes mais notáveis da década. Apesar de alguns momentos que poderiam ser mais concisos, a combinação de direção, atuações e design de produção faz de Nosferatu uma verdadeira obra-prima. Eggers prova mais uma vez ser um dos cineastas mais importantes de sua geração, entregando uma obra que não apenas honra o clássico original, mas também o supera em muitos aspectos.
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