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janeiro 30, 2025

No Other Land (2024)

 


Título originalلا أرض أخرى
Direção: Hamdan Ballal, Rachel Szor, Yuval Abraham, Basel Adra
Sinopse: Este filme, feito por um coletivo palestino-israelense, mostra a destruição de Masafer Yatta, na Cisjordânia ocupada, por soldados israelenses e a aliança que se desenvolve entre o ativista palestino Basel e o jornalista israelense Yuval.


No Other Land é um documentário de 2024 que oferece uma visão íntima e impactante da vida dos palestinos sob ocupação israelense, focando especificamente na comunidade de Masafer Yatta, na Cisjordânia. Dirigido por um coletivo de cineastas palestinos e israelenses, incluindo Basel Adra, Hamdan Ballal, Yuval Abraham e Rachel Szor, o filme combina imagens de arquivo, filmagens pessoais e registros de celular para capturar a realidade cotidiana dos residentes locais.

A produção do documentário se estendeu de 2019 a 2023, período durante o qual os cineastas enfrentaram desafios significativos, incluindo a apreensão de equipamentos e a constante ameaça de censura. A cinematografia, liderada por Rachel Szor, utiliza uma combinação de imagens de arquivo e filmagens em primeira pessoa, muitas vezes capturadas com câmeras de celular, conferindo ao filme uma sensação de imediatismo e autenticidade. Essa abordagem permite que o espectador se sinta imerso na experiência dos moradores, testemunhando a destruição de suas casas e a luta pela sobrevivência.

A edição, realizada pelos próprios diretores, é eficaz em transmitir a continuidade e a repetição dos eventos, refletindo a rotina implacável de destruição e reconstrução enfrentada pelos palestinos. A montagem entrelaça momentos de resistência e de vulnerabilidade, criando uma narrativa que é tanto informativa quanto emocionalmente ressonante.

A trilha sonora, composta por Julius Pollux Rothlaender, complementa a atmosfera do filme, utilizando sons ambientes e música minimalista para intensificar a tensão e a introspecção. A ausência de uma trilha sonora convencional permite que os sons naturais do ambiente – como o som das máquinas de construção e os diálogos cotidianos – se destaquem, reforçando a sensação de realidade crua.

Artisticamente, No Other Land se destaca por sua capacidade de humanizar um conflito frequentemente retratado de forma abstrata ou distante. Ao focar em indivíduos específicos, como Basel Adra e sua família, o filme personaliza a narrativa, permitindo que o público se conecte emocionalmente com as vítimas da ocupação. A amizade entre Adra e Yuval Abraham, um jornalista israelense, serve como um microcosmo das complexas relações interpessoais que podem surgir em contextos de conflito, oferecendo uma perspectiva mais nuançada sobre as dinâmicas entre israelenses e palestinos.

A estética visual do filme é caracterizada por imagens poéticas e contemplativas, contrastando com a dureza dos eventos retratados. Cenas de paisagens áridas e vilarejos desolados são intercaladas com momentos de vida cotidiana, como crianças brincando ou famílias reunidas, criando um contraste que enfatiza a resiliência humana diante da adversidade.

No entanto, a abordagem estilística do filme pode ser vista como excessivamente contemplativa em alguns momentos, o que pode diminuir o impacto imediato de certas cenas. A alternância entre imagens de arquivo, filmagens pessoais e cenas oníricas, embora eficaz em transmitir a complexidade emocional da situação, pode resultar em uma narrativa fragmentada que exige do espectador um esforço adicional para manter o engajamento contínuo.

No Other Land é um documentário que oferece uma visão profunda e pessoal da realidade palestina sob ocupação, utilizando uma abordagem técnica e artística que privilegia a autenticidade e a intimidade. Embora sua estética contemplativa e narrativa fragmentada possam não agradar a todos os espectadores, o filme cumpre seu objetivo de sensibilizar e informar sobre uma realidade frequentemente ignorada. Sua indicação ao Oscar de Melhor Documentário em 2025 é um reconhecimento merecido de sua contribuição significativa para o cinema documental e para a compreensão das complexidades do conflito israelo-palestino.

Eu Vi o Brilho da TV (2024)

 


Título original: I Saw the TV Glow
Direção: Jane Schoenbrun
Sinopse: O adolescente Owen, que está vivendo a sua vida normalmente, tentando sobreviver nos subúrbios quando um colega apresenta a ele um misterioso e intrigante programa de TV noturno sobrenatural. Os dois adolescente, vidrados nesse programa, começam a se distanciar e distorcer a realidade.


Eu Vi o Brilho da TV é uma obra que se destaca pela sua narrativa singular e abordagem estética ousada. Dirigido e roteirizado por Jane Schoenbrun, o filme mergulha o espectador em uma trama que mescla elementos de drama, fantasia e terror, resultando em uma experiência cinematográfica que é, ao mesmo tempo, desconcertante e envolvente.

A história centra-se em Owen, interpretado por Justice Smith, um adolescente que leva uma vida aparentemente comum nos subúrbios. Sua rotina sofre uma reviravolta quando sua colega de classe, Maddy (Brigette Lundy-Paine), o introduz a um enigmático programa de televisão noturno chamado The Pink Opaque. À medida que ambos se aprofundam na obsessão por essa série, as fronteiras entre a realidade e a ficção começam a se desintegrar, levando-os a questionar a própria natureza de suas existências.

A narrativa do filme é deliberadamente ambígua, desafiando o espectador a interpretar os eventos apresentados. A trama é tão bizarra que se torna cativante, prendendo a atenção do público do início ao fim. A diretora utiliza essa estranheza para explorar temas profundos, como a alienação juvenil, a busca por identidade e a influência da mídia na percepção da realidade.

Tecnicamente, o filme é uma obra-prima. A cinematografia é meticulosamente planejada, com uma paleta de cores que oscila entre tons sombrios e vibrantes, refletindo o estado emocional dos personagens. A direção de arte merece destaque pela recriação autêntica dos anos 1990, desde os aparelhos de televisão até os figurinos, imergindo o espectador na época retratada.

A trilha sonora complementa perfeitamente a atmosfera do filme, incorporando músicas da época e composições originais que amplificam a tensão e o mistério presentes na narrativa. A edição de som é precisa, utilizando o silêncio e ruídos sutis para criar uma sensação de inquietação que permeia toda a obra.

As performances dos atores são notáveis. Justice Smith entrega uma atuação convincente como Owen, capturando a vulnerabilidade e a confusão de um jovem à beira da idade adulta. Brigette Lundy-Paine brilha como Maddy, trazendo uma complexidade ao papel que a torna simultaneamente enigmática e relacionável. O elenco de apoio também contribui significativamente, com destaque para Helena Howard no papel de Isabel, adicionando profundidade à dinâmica entre os personagens principais.

Um dos aspectos mais notáveis do filme é sua abordagem da temática trans. Ao contrário de muitas obras que tratam do assunto de forma didática, Eu Vi o Brilho da TV integra essa temática de maneira orgânica e natural. A identidade de gênero é explorada não como um ponto focal, mas como uma faceta da complexa tapeçaria da vida dos personagens, refletindo a diversidade da experiência humana sem recorrer a estereótipos ou explicações excessivas.

A influência de diretores como David Lynch é evidente na construção atmosférica e na narrativa não linear do filme. Elementos surreais e simbólicos são entrelaçados na trama, criando uma sensação de sonho lúcido que desafia as convenções tradicionais do cinema. Essa abordagem pode deixar o espectador com uma grande interrogação na cabeça ao final, incentivando múltiplas interpretações e discussões posteriores.

Contudo, essa mesma ambiguidade pode ser vista como uma faca de dois gumes. Enquanto alguns espectadores apreciarão a profundidade e a complexidade da narrativa, outros podem achar a falta de clareza frustrante. A estrutura não convencional do filme exige uma participação ativa do público, que deve estar disposto a abraçar a incerteza e a interpretar os significados subjacentes por conta própria.

Em termos de ritmo, o filme mantém uma cadência deliberada, permitindo que as cenas respirem e que os personagens se desenvolvam de forma orgânica. No entanto, alguns podem considerar que certas sequências se prolongam além do necessário, potencialmente diminuindo o impacto emocional em momentos cruciais.

A direção de Jane Schoenbrun é assertiva e visionária. Ela demonstra uma habilidade notável em equilibrar elementos díspares, criando uma coesão estética e temática que é rara no cinema contemporâneo. Sua capacidade de evocar emoções complexas e de desafiar as percepções do espectador solidifica sua posição como uma cineasta a ser observada nos próximos anos.

Eu Vi o Brilho da TV é uma obra que desafia categorizações fáceis. É uma exploração audaciosa da psique humana, da influência da mídia e da fluidez da identidade. Embora possa não agradar a todos devido à sua natureza enigmática, é inegável que o filme oferece uma experiência rica e recompensadora para aqueles dispostos a embarcar em sua jornada surreal.

Em última análise, o filme serve como um lembrete poderoso do potencial do cinema como uma forma de arte que pode desafiar, inspirar e provocar reflexão. Eu Vi o Brilho da TV não é apenas um filme para ser assistido, mas para ser vivenciado, discutido e contemplado, deixando uma impressão duradoura que ressoa muito depois dos créditos finais.

janeiro 29, 2025

Hard Truths (2024)

 


Título original: Hard Truths
Direção: Mike Leigh
Sinopse: Pansy, irritada e deprimida, desconta sua frustração na família e em estranhos. Sua crítica constante a isola, exceto de sua alegre irmã Chantal, que continua compreensiva apesar de suas diferenças.


Hard Truths, o mais recente filme de Mike Leigh, marca um retorno poderoso do diretor ao cenário contemporâneo, após uma ausência de seis anos. Conhecido por dissecar as complexidades da classe trabalhadora britânica, Leigh nos entrega uma narrativa profundamente comovente e realista, centrada na vida de Pansy Deacon, interpretada magistralmente por Marianne Jean-Baptiste.

Marianne Jean-Baptiste, que anteriormente colaborou com Leigh em Segredos e Mentiras (1996), oferece uma performance arrebatadora como Pansy. Sua capacidade de transitar entre momentos cômicos e dramáticos, muitas vezes apenas através de expressões faciais sutis, é notável. A atriz captura com precisão a raiva latente de Pansy, uma mulher que vive em constante frustração e medo, afetando profundamente aqueles ao seu redor. A família de Pansy, composta por seu marido Curtley (David Webber) e seu filho Moses (Tuwaine Barrett), vive sob a sombra de seus rompantes de ira, temendo suas reações imprevisíveis. Jean-Baptiste transmite essa tensão de maneira palpável, tornando cada interação carregada de emoção.

Hard Truths pode ser visto como uma resposta de Leigh ao criticado "Simplesmente Feliz" (Happy-Go-Lucky, 2008). Enquanto o filme anterior apresentava uma protagonista excessivamente otimista que alienava o público, aqui Leigh nos oferece Pansy, uma personagem complexa e profundamente humana. À medida que a narrativa avança, descobrimos as camadas de sofrimento que moldaram sua personalidade, transformando o filme de uma comédia sombria para um drama familiar intenso e envolvente. Essa transição de tom é manejada com maestria, permitindo ao público desenvolver uma empatia genuína por Pansy e sua luta interna.

Michelle Austin brilha no papel de Chantal, a irmã de Pansy. Sua personagem serve como um contraponto essencial à natureza tempestuosa de Pansy. Chantal é retratada como uma mulher alegre e equilibrada, trazendo uma leveza necessária à narrativa. Suas interações com Pansy revelam a profundidade das relações familiares e destacam as divergências entre as duas irmãs. Austin interpreta Chantal com uma autenticidade que enriquece a dinâmica do filme, oferecendo momentos de alívio e reflexão.

É surpreendente e decepcionante que Marianne Jean-Baptiste não tenha sido indicada ao Oscar por sua atuação em Hard Truths. Em uma temporada marcada por performances notáveis, a interpretação de Jean-Baptiste se destaca como uma das mais impactantes. Sua capacidade de transmitir a complexidade emocional de Pansy, equilibrando vulnerabilidade e força, é digna de reconhecimento. Comparável apenas à atuação de Demi Moore no mesmo ano, Jean-Baptiste entrega uma performance que certamente será lembrada como uma das melhores de sua carreira.

A cinematografia de Dick Pope merece destaque especial. Utilizando uma paleta de cores frias e uma iluminação naturalista, Pope captura a essência da vida cotidiana da classe trabalhadora britânica. As composições de cena são meticulosas, refletindo o estado emocional dos personagens e amplificando a narrativa. A direção de arte complementa essa abordagem, com cenários que retratam de forma autêntica os ambientes domésticos e urbanos, adicionando camadas de realismo à história.

A trilha sonora, composta por Gary Yershon, é sutil e eficaz. Em vez de dominar as cenas, a música serve para realçar as emoções subjacentes, utilizando melodias suaves que refletem a melancolia e a esperança presentes na narrativa. Essa abordagem minimalista permite que as performances dos atores permaneçam no centro das atenções, enquanto a música fornece um suporte emocional discreto.

Hard Truths é uma obra-prima que exemplifica o melhor do cinema de Mike Leigh. Com performances excepcionais, especialmente de Marianne Jean-Baptiste, e uma abordagem técnica impecável, o filme oferece uma exploração profunda das complexidades humanas e das dinâmicas familiares. É uma narrativa que ressoa com autenticidade e emoção, solidificando seu lugar como um dos melhores filmes do ano.

Nickel Boys (2024)

 


Título original: Nickel Boys
Direção: RaMell Ross
Sinopse: A amizade poderosa formada por dois jovens negros é o centro gravitacional de Nickel Boys. O filme baseado no romance de mesmo nome vencedor do Prêmio Pulitzer acompanha a aliança entre Elwood e Turner, dois adolescentes afro-americanos que são enviados para um brutal reformatório juvenil na Flórida no ápice da implementação das leis segregacionistas de Jim Crow. A forte irmandade criada entre os dois forja um refúgio de esperança e carinho em meio aos horrores e às violências sofridas dentro e fora da detenção. Enquanto Elwood cultiva em Turner uma nova e mais otimista perspectiva do mundo, Turner conhece a realidade desse mundo bárbaro e ensina a Elwood os truques necessários para sobreviver.



Nickel Boys, dirigido por RaMell Ross, é uma adaptação do romance vencedor do Pulitzer de Colson Whitehead. Infelizmente, o filme falha em capturar a profundidade e a essência da obra original, resultando em uma experiência cinematográfica decepcionante e desconexa.

Desde o início, o filme apresenta uma narrativa fragmentada que dificulta a conexão do espectador com os personagens e a história. As transições abruptas entre cenas e a falta de desenvolvimento dos protagonistas tornam a trama confusa e desarticulada. A tentativa de Ross de inovar na narrativa resulta em uma execução pobre, deixando o público desorientado e desinteressado.

A decisão de filmar inteiramente em primeira pessoa, embora ousada, prova ser um desastre técnico. A câmera trêmula e instável cria uma sensação constante de náusea, como se estivesse sendo manuseada por alguém com tremores severos. Essa escolha estilística não só distrai, mas também impede qualquer imersão na história, afastando ainda mais o espectador.

A cinematografia de Jomo Fray é especialmente problemática. Em vez de complementar a narrativa, as escolhas visuais parecem arbitrárias e mal executadas. A iluminação inadequada e os enquadramentos mal compostos contribuem para uma estética desagradável que compromete a integridade visual do filme.

As atuações, embora potencialmente promissoras no papel, são prejudicadas pela direção deficiente e pelo roteiro mal estruturado. Ethan Herisse e Brandon Wilson, que interpretam Elwood e Turner respectivamente, lutam para trazer profundidade a seus personagens devido à falta de material substancial e à direção inconsistente.

A trilha sonora de Alex Somers e Scott Alario falha em adicionar qualquer peso emocional às cenas, muitas vezes parecendo deslocada ou excessivamente melodramática. Em vez de elevar a narrativa, a música serve apenas como mais uma camada de distração em uma produção já caótica.

Em termos de edição, Nicholas Monsour não consegue dar coesão ao filme. As cenas parecem coladas de maneira aleatória, sem um fluxo narrativo claro, tornando difícil para o público seguir a progressão da história.

É surpreendente que Nickel Boys tenha sido indicado ao Oscar de 2025, considerando suas falhas gritantes em quase todos os aspectos técnicos e artísticos. Comparado aos outros indicados, este filme se destaca negativamente, deixando muitos questionando os critérios de seleção da Academia.

Em suma, Nickel Boys é uma tentativa fracassada de adaptação que falha em todos os níveis. Sua narrativa desconexa, cinematografia perturbadora e direção incompetente resultam em uma experiência que muitos espectadores prefeririam esquecer. É um filme que dificilmente merece ser assistido, quanto mais reconhecido com indicações a prêmios.

janeiro 28, 2025

Babygirl (2024)

 


Título original: Babygirl
Direção: Halina Reijn
Sinopse: Uma executiva bem-sucedida coloca sua família e carreira em risco se envolver com seu estagiário bem mais jovem. No thriller erótico de Halina Reijn, Romy (Nicole Kidman) é uma executiva que conquistou seu posto como CEO com muita dedicação. O mesmo se aplica a sua família e o casamento com Jacob (Antonio Banderas). Tudo o que construiu é posto à prova quando ela embarca em um caso tórrido e proibido com seu estagiário Samuel (Harris Dickinson), que é muito mais jovem. A partir daí ela anda corda bamba de suas responsabilidades e, também, nas dinâmicas de poder que envolvem suas relações.


Halina Reijn, cineasta holandesa de grande expressão em sua carreira de direção e atuação, entrega com Babygirl uma obra provocadora que reflete sobre o desejo, o poder e os limites entre o que é ético e o que é moralmente aceitável. Ao longo da narrativa, a cineasta constrói uma história repleta de tensão emocional, erotismo e um toque de crítica à sociedade contemporânea, especialmente no que se refere ao ambiente corporativo e à exploração do prazer feminino. Com um elenco estelar e uma fotografia que leva o espectador para dentro das emoções mais íntimas dos personagens, o filme se torna uma exploração da sexualidade feminina e da dinâmica de poder que envolve os relacionamentos modernos.

Babygirl é um thriller psicológico e erótico que traz a atuação de Nicole Kidman, Harris Dickinson e Antonio Banderas, e apresenta uma história que gira em torno de Romy (Nicole Kidman), uma CEO de uma grande corporação que está em um casamento aparentemente estável com Jacob (Antonio Banderas), mas vê sua vida virar de cabeça para baixo quando um jovem estagiário, Samuel (Harris Dickinson), entra em sua vida. O filme explora a tensão entre o desejo reprimido e as expectativas sociais, levando os personagens a vivenciarem um caso quente e proibido, mas também cheio de complexidades emocionais e existenciais.

Halina Reijn é uma cineasta que consegue balancear os aspectos artísticos e técnicos de forma imersiva e convincente. Sua direção em Babygirl oferece uma estética que reflete a tensão entre os sentimentos de culpa e prazer, ao mesmo tempo em que propõe uma desconstrução das dinâmicas sexuais e de poder no mundo moderno. No entanto, é possível perceber que o filme peca em sua estrutura narrativa ao tentar ir além do seu próprio alcance.

A escolha de Reijn de tratar de temas tão polêmicos, como o desejo entre pessoas de diferentes idades, e as complexas interações no ambiente corporativo, coloca Babygirl em um território delicado. Ao invés de simplesmente mostrar um caso de natureza proibida, o filme explora as contradições internas dos personagens, fazendo com que o público questione o que é moralmente aceitável quando se trata de relações de poder e consentimento.

Ainda que a ideia de questionar essas dinâmicas seja válida e até estimulante, o roteiro acaba caindo em certos exageros, com momentos de tensão que podem ser previsíveis, mas que se esforçam em criar uma atmosfera carregada de tensão sexual. Reijn parece tentar provocar o espectador, mas acaba mergulhando em um território onde a manipulação emocional dos personagens não é tão bem fundamentada quanto poderia ser.

A fotografia de Babygirl é um dos pontos altos do filme. A paleta de cores escolhida por Reijn é sóbria e intensa, com tons de azul escuro e cinza dominando a maior parte da obra. Esses tons frios contrastam com os momentos de calor nas cenas mais íntimas, criando uma separação entre os momentos de tensão emocional e os de desejo ardente. A iluminação é outra característica que chama atenção, com planos fechados e luzes direcionadas que intensificam o foco nas expressões faciais e nos gestos dos atores. Isso não apenas ressalta a vulnerabilidade dos personagens, mas também faz com que o espectador se sinta parte do processo de descoberta e tensão.

Além disso, as cenas íntimas entre Romy e Samuel são filmadas de maneira cuidadosa, evitando a exploração gratuita do corpo. O foco está sempre na psicologia dos personagens e na maneira como eles lidam com os sentimentos que surgem a partir do contato físico, o que dá à narrativa uma dimensão emocional. A câmera se aproxima dos rostos dos personagens, capturando não apenas os momentos de prazer, mas também a confusão, o arrependimento e a busca por algo além do físico. Isso é uma marca registrada do estilo de Reijn, que sabe onde aplicar os momentos de exposição para manter a profundidade da história.

A trilha sonora de Babygirl acompanha o ritmo de sua trama, complementando a tensão e os dilemas dos personagens. A escolha de músicas como "Need You Tonight", da banda INXS, e "Careless Whisper", de George Michael, é um reflexo direto da ambiguidade emocional que permeia o filme. As canções possuem um tom melancólico e sensual, que dialogam com o clima de incerteza e desejo reprimido.

Essa inserção musical no filme não se dá de forma gratuita, mas sim como uma extensão da própria narrativa. As músicas estão atreladas às sensações que os personagens experimentam, e muitas vezes funcionam como uma espécie de espelho do que acontece na trama, intensificando os momentos de crise emocional e de reflexão sobre o prazer e a perda.

Nicole Kidman, como Romy, entrega uma performance de grande intensidade, mergulhando nas complexidades de uma mulher que se vê dividida entre a lealdade ao marido e o desejo por um novo amor, mais jovem e transgressor. A atriz consegue expressar com maestria o conflito interno de sua personagem, criando uma personagem que, apesar de sua posição de poder, é vulnerável e profundamente humana. Sua atuação se destaca especialmente nas cenas de introspecção, onde os sentimentos de confusão e desejo são expressos por meio de pequenos gestos e olhares intensos.

Harris Dickinson, como Samuel, o estagiário jovem, também traz uma atuação sólida, com uma performance convincente que contrasta a energia jovem e irreverente de seu personagem com a experiência e a complexidade de Romy. Ele está à altura de Nicole Kidman, criando uma dinâmica de poder que é ao mesmo tempo atraente e problemática. Juntos, Kidman e Dickinson formam uma dupla que mantém o espectador na ponta da cadeira, aguardando o próximo movimento.

Antonio Banderas, embora presente em um papel secundário como Jacob, o marido de Romy, desempenha com competência sua função no enredo. Seu personagem traz uma estabilidade que se contrapõe ao caos emocional criado pela relação extraconjugal de Romy. Mesmo que o papel não seja central, Banderas é eficaz ao representar a frieza e o desgaste de um casamento que, apesar de aparentemente sólido, está prestes a ruir.

O principal foco de Babygirl é explorar a relação entre desejo, poder e consentimento, colocando esses temas em uma luz desconfortável e complexa. A dinâmica entre Romy e Samuel está longe de ser uma simples história de romance ou atração; ela questiona as fronteiras entre prazer e exploração, entre liberdade e submissão.

A obra também lança um olhar atento sobre a mulher no comando, uma personagem que tem tudo, mas se vê fragilizada por um desejo que a coloca em uma posição vulnerável. O filme propõe uma reflexão sobre o impacto das relações pessoais no ambiente profissional, onde a liberdade individual pode se chocar com as expectativas da sociedade. Em certo sentido, Babygirl é uma metáfora para as mulheres que buscam assumir o controle de suas vidas sexuais e afetivas, mas acabam sendo rotuladas como transgressoras ou, pior, como manipulatórias.

Contudo, o filme também não deixa de ser autoconsciente. Há uma certa ironia em como a história se desenrola, principalmente ao explorar a obsessão que, muitas vezes, o público tem com a sexualidade feminina, e como essa obsessão pode ser tanto libertadora quanto destrutiva. A tensão entre esses elementos é o que torna Babygirl uma obra provocadora e desafiadora, mas, ao mesmo tempo, sua execução acaba sendo mais ambiciosa do que o roteiro consegue alcançar.

Babygirl é um filme que, ao mesmo tempo em que questiona e desconstrói as dinâmicas tradicionais de relações de poder e desejo, acaba se perdendo em sua própria ousadia. A direção de Halina Reijn é envolvente e promissora, mas a obra poderia se beneficiar de um maior aprofundamento em suas ideias centrais. A fotografia e a trilha sonora são espetaculares, e as atuações de Nicole Kidman e Harris Dickinson são notáveis, com performances que dão vida a personagens que são complexos e interessantes, mas que em alguns momentos não encontram a profundidade emocional que a história parece prometer.

Ao final, Babygirl é uma produção que vai dividir opiniões. Para alguns, pode ser uma experiência cinematográfica desafiadora e cativante; para outros, uma história que tenta ser mais do que é, deixando de lado a sutileza em favor de uma provocação que nem sempre atinge o objetivo. Em suma, é uma história de desejo, poder e o jogo de manipulação que ocorre dentro dessas esferas, mas que nem sempre consegue equilibrar as tensões de maneira eficaz.

Tudo Que Imaginamos Como Luz (2024)

 


Título original: പ്രഭയായ് നിനച്ചതെല്ലാം
Direção: Payal Kapadia
Sinopse: Em Mumbai, a rotina da enfermeira Prabha se transforma quando ela recebe um presente inesperado do ex-marido. Sua colega de quarto, a jovem Anu, tenta em vão encontrar um lugar na cidade onde possa ter alguma intimidade com o namorado. Uma viagem ao litoral permite que eles encontrem um espaço para que seus desejos se manifestem.


Tudo Que Imaginamos Como Luz (All We Imagine As Light, 2024), dirigido por Payal Kapadia, é uma obra que, apesar de suas intenções artísticas, falha em entregar uma narrativa coesa e envolvente. O filme acompanha a vida de três mulheres em Mumbai: Prabha (Kani Kusruti), uma enfermeira que lida com as cicatrizes de um casamento fracassado; Anu (Divya Prabha), sua colega de quarto mais jovem, envolvida em um relacionamento secreto; e Parvaty (Chhaya Kadam), uma cozinheira ameaçada de despejo devido à gentrificação. Embora essas premissas ofereçam potencial para um drama profundo, a execução deixa a desejar.

A narrativa é desconjuntada, movendo-se de um ponto a outro sem uma direção clara. As transições entre as histórias das protagonistas são abruptas, e o enredo parece se perder em subtramas que não contribuem para o desenvolvimento geral. Essa falta de coesão resulta em uma experiência frustrante, onde o espectador é levado de um lado para o outro sem um propósito definido.

Um dos principais problemas do filme é a incapacidade de criar empatia pelas personagens. Embora as atrizes entreguem atuações verossímeis e competentes, os roteiros de suas personagens são superficiais, carecendo de profundidade emocional. As motivações e os conflitos internos das protagonistas não são explorados de maneira satisfatória, tornando difícil para o público se conectar com suas jornadas.

No terceiro ato, após uma viagem ao litoral, o filme sofre uma mudança tonal drástica. A narrativa, que até então seguia uma linha relativamente linear, mergulha em sequências abstratas e simbólicas que carecem de contexto ou explicação. Essa virada inesperada desorienta o espectador e adiciona uma camada de confusão a uma história já fragmentada.

A cinematografia busca retratar a realidade de Mumbai, mas o resultado é visualmente desagradável. As locações escolhidas enfatizam a desordem e o caos típicos da cidade, apresentando ambientes sujos e desorganizados que são difíceis de assistir. Embora a intenção possa ter sido mostrar a autenticidade da vida urbana indiana, a execução resulta em uma estética que repele em vez de atrair.

Um elemento particularmente desconcertante é o presente que Prabha recebe de seu ex-marido: uma máquina de fazer arroz. O objeto é introduzido na trama sem contexto claro e não recebe uma conclusão satisfatória. A obsessão de Anu com o aparelho, chegando a colocá-lo entre as pernas em uma cena que sugere uma simulação sexual, é especialmente perturbadora e carece de explicação dentro da narrativa.

Em última análise, Tudo Que Imaginamos Como Luz é uma experiência cinematográfica enfadonha e tediosa. Apesar das performances competentes do elenco, a falta de coesão narrativa, personagens pouco desenvolvidos e escolhas estéticas questionáveis tornam o filme difícil de assistir. O potencial para uma exploração profunda das vidas das mulheres em Mumbai é ofuscado por uma execução que falha em engajar e satisfazer o público.

janeiro 27, 2025

Anora (2024)

 


Título original: Anora
Direção: Sean Baker
Sinopse: Anora, uma jovem profissional do sexo que trabalha nas noites do Brooklyn, pode se tornar a Cinderela da sua própria história quando encontra e casa, por impulso, com o filho de um oligarca russo. Mas quando a notícia chega à Rússia, seu conto de fadas fica ameaçado com a chegada dos pais dele a Nova York para cancelar o casamento.


Anora, o mais recente filme de Sean Baker, é uma obra que surpreende pela originalidade de sua narrativa e pela profundidade com que aborda temas contemporâneos. A trama acompanha Anora, uma jovem trabalhadora sexual interpretada por Mikey Madison, que sonha em viver seu próprio conto de fadas. Seu "príncipe encantado" surge na figura de Ivan, filho de um oligarca russo, vivido por Mark Eydelshteyn. O encontro entre os dois desencadeia uma série de eventos que mesclam humor, romance e drama, resultando em uma experiência cinematográfica única.

O filme inicia de maneira leve e divertida, apresentando situações cômicas que arrancam risadas genuínas do público. As interações entre Anora e Ivan são especialmente hilárias, destacando a química entre os atores. No entanto, à medida que a narrativa avança, especialmente no terceiro ato, o tom muda gradualmente, mergulhando o espectador em um drama profundo e emocional. Essa transição do humor para o drama é executada de forma magistral, evidenciando a habilidade de Baker em conduzir diferentes tonalidades narrativas.

Mikey Madison entrega uma performance excepcional como Anora. Sua capacidade de transmitir vulnerabilidade e força em igual medida torna sua personagem cativante e real. Mark Eydelshteyn, no papel de Ivan, surpreende ao retratar um adolescente inconsequente de forma autêntica e envolvente. Sua interpretação é tão convincente que o público facilmente acredita na veracidade de seu personagem.

Por outro lado, a atuação de Yuri Borisov, que interpreta um dos capangas russos do pai de Ivan, tem sido amplamente reconhecida, incluindo indicações ao Oscar. No entanto, sua performance, embora competente, não se destaca a ponto de justificar tantas indicações. Sua presença em cena é sólida, mas carece de momentos verdadeiramente memoráveis.

A trilha sonora de Anora é outro ponto alto do filme. As músicas escolhidas permanecem na mente do espectador, complementando perfeitamente as cenas e amplificando as emoções transmitidas. As sequências das festas são particularmente bem produzidas, com uma energia vibrante que faz o público se sentir imerso em uma verdadeira balada. A combinação de música pulsante e cinematografia dinâmica cria uma atmosfera envolvente e autêntica.

No entanto, o filme não é isento de falhas. A transição do tom cômico para o dramático no segundo ato apresenta um ritmo um pouco arrastado, fazendo com que a narrativa perca parte de seu ímpeto. Além disso, a duração do filme é um tanto excessiva, o que pode levar a momentos de dispersão por parte do espectador. Uma edição mais concisa poderia ter aprimorado o fluxo da história, mantendo a atenção do público de maneira mais eficaz.

Um dos momentos mais marcantes de Anora é a cena da briga entre Ani e os capangas russos do pai de Ivan. A sequência é eletrizante e remete à icônica luta entre Beatrix Kiddo e Elle Driver em Kill Bill: Volume 2. A coreografia da luta é intensa e bem executada, proporcionando uma mistura de tensão e diversão que enriquece a narrativa.

Tecnicamente, Anora é uma obra-prima. A direção de fotografia captura com maestria as paisagens urbanas de Nova York, contrastando a opulência dos ambientes frequentados por Ivan com a realidade mais crua vivida por Anora. A paleta de cores e a iluminação são utilizadas de forma eficaz para refletir as emoções dos personagens e as mudanças de tom ao longo do filme.

A direção de Sean Baker é segura e visionária. Conhecido por seu olhar atento às margens da sociedade, Baker mais uma vez oferece uma narrativa que humaniza personagens frequentemente estigmatizados. Sua abordagem realista, combinada com elementos de fantasia, cria uma história que é ao mesmo tempo crível e fantástica.

Em suma, Anora é uma adição notável à filmografia de Sean Baker. Com uma história original, performances destacadas e uma execução técnica impecável, o filme oferece uma experiência cinematográfica rica e envolvente. Apesar de alguns deslizes no ritmo e na duração, Anora se estabelece como uma obra significativa que merece ser vista e apreciada.

janeiro 26, 2025

O Milagre de Tyson (2022)

 


Título original: Tyson's Run
Direção: Kim Bass
Sinopse: Um menino autista e que nunca praticou esportes se esforça para se tornar um campeão improvável da maratona, o que dá a seu pai uma segunda chance de colocar sua família em primeiro lugar.


O Milagre de Tyson (Tyson's Run, 2022), dirigido por Kim Bass, é um drama que narra a jornada de Tyson Hollerman, um adolescente de 15 anos com autismo, interpretado por Major Dodson. Após anos de educação domiciliar sob os cuidados de sua mãe, Eleanor (Amy Smart), Tyson ingressa em uma escola pública, onde enfrenta desafios sociais e o bullying. Em meio a essas adversidades, ele conhece Aklilu (Barkhad Abdi), um maratonista campeão, e decide treinar para uma maratona na esperança de conquistar o orgulho de seu pai, Bobby (Rory Cochrane).

A narrativa de O Milagre de Tyson é construída sobre temas de superação, inclusão e a busca por aceitação. A decisão de escalar Major Dodson, um ator diagnosticado dentro do espectro autista, para o papel principal, adiciona uma camada de autenticidade à representação de Tyson. Dodson entrega uma performance sensível, capturando as nuances e desafios enfrentados por indivíduos autistas ao navegar por ambientes sociais desconhecidos.

A direção de Kim Bass é competente ao abordar temas delicados como autismo e bullying. No entanto, o roteiro, também assinado por Bass, por vezes recorre a clichês típicos de filmes de superação, o que pode diminuir o impacto emocional desejado. A narrativa segue uma trajetória previsível, onde o protagonista enfrenta obstáculos, encontra um mentor e, através de determinação, supera as adversidades.

O elenco de apoio contribui de maneira significativa para o desenvolvimento da história. Amy Smart, no papel de Eleanor, retrata uma mãe protetora e amorosa, enquanto Rory Cochrane interpreta Bobby, um pai distante que gradualmente aprende a valorizar as conquistas do filho. Barkhad Abdi, como Aklilu, oferece uma performance sólida, servindo como mentor e fonte de inspiração para Tyson.

Tecnicamente, o filme apresenta uma cinematografia funcional, sem grandes inovações visuais. A trilha sonora é adequada, embora não se destaque ou acrescente profundidade emocional às cenas. A edição mantém um ritmo constante, permitindo que a história se desenrole de maneira linear e compreensível.

Uma das críticas ao filme reside na representação simplificada do autismo e na forma como a maratona é utilizada como metáfora para superação. Alguns espectadores podem considerar que a obra não explora de maneira aprofundada as complexidades do espectro autista, optando por uma abordagem mais superficial e estereotipada. Além disso, a jornada de Tyson rumo à maratona pode parecer irrealista para aqueles familiarizados com os desafios enfrentados por indivíduos autistas em situações de alta pressão.

Em suma, "O Milagre de Tyson" é uma obra que busca inspirar e promover a inclusão, destacando a importância da aceitação e do apoio familiar. Embora apresente algumas falhas em sua execução e profundidade temática, o filme oferece uma narrativa comovente que pode ressoar com públicos em busca de histórias de superação e esperança.

janeiro 25, 2025

Wicked (2024)

 


Título original: Wicked
Direção: Jon M. Chu
Sinopse: Elphaba é uma jovem como outra qualquer do Reino de Oz, mas incompreendida por causa de sua pele verde incomum e por ainda não ter descoberto seu verdadeiro poder. Sua rotina é tranquila e pouco interessante, mas ao iniciar seus estudos na Universidade de Shiz, seu destino encontra Glinda, uma jovem popular e ambiciosa, nascida em berço de ouro, que só quer garantir seus privilégios e ainda não conhece sua verdadeira alma. As duas iniciam uma inesperada amizade; no entanto, suas diferenças, como o desejo de Glinda pela popularidade e poder, e a determinação de Elphaba em permanecer fiel a si mesma, entram no caminho, o que pode perpetuar no futuro de cada uma e em como as pessoas de Oz as enxergam.


Desde seu anúncio, Wicked (2024), dirigido por Jon M. Chu, prometia ser um evento cinematográfico para os fãs do musical da Broadway. Mas, infelizmente, o que chegou às telonas foi uma catástrofe de proporções inimagináveis. Em uma mistura de direção incompetente, atuações sofríveis, músicas sem impacto e CGI vergonhoso, o filme se torna um insulto ao público, principalmente para aqueles que já tinham reservas em relação ao mundo de O Mágico de Oz (realmente detesto esse clássico de 1939).

A trama de Wicked pretende contar a história da Bruxa Má do Oeste, Elphaba, antes dos eventos de O Mágico de Oz. A premissa poderia ter sido interessante, mas o roteiro se afunda em clichês e uma execução preguiçosa. A narrativa se arrasta por horas, incapaz de prender a atenção do espectador. O que deveria ser um conto emocionante sobre amizade e rejeição se transforma em um melodrama previsível, cheio de frases feitas e momentos forçados.

O roteiro de Winnie Holzman falha em dar profundidade aos personagens, tornando Elphaba (Cynthia Erivo) e Glinda (Ariana Grande) caricaturas unidimensionais. Os diálogos parecem saídos de um manual de clichês juvenis, com frases que soam artificiais e insossas. Não há uma evolução convincente na relação entre as duas protagonistas, fazendo com que suas interações pareçam ensaiadas e sem vida.

O ritmo do filme é uma tortura. As cenas se estendem muito além do necessário, tornando a duração insuportável. Se houvesse qualquer nuance ou camadas emocionais a explorar, talvez a metragem se justificasse, mas a história é contada de forma tão superficial que fica claro que o objetivo era apenas transformar uma peça longa em um filme ainda mais exaustivo.

A escolha do elenco foi um dos primeiros sinais de alerta sobre o fracasso iminente do filme. Ariana Grande como Glinda é uma decisão catastrófica. Ela não só é uma cantora superestimada, como também é uma péssima atriz. Sua expressão facial limitada e sua incapacidade de entregar emoção autêntica fazem com que sua interpretação seja digna de riso. Seus momentos de comédia são constrangedores, e suas tentativas de criar uma Glinda carismática são um desastre absoluto.

Cynthia Erivo também decepciona como Elphaba. Apesar de sua competência vocal, sua atuação é exagerada e teatral de uma maneira irritante. Em nenhum momento conseguimos sentir empatia por sua jornada, pois ela se entrega a uma performance forçada e sem sutileza. Sua presença de palco pode funcionar no teatro, mas no cinema seu estilo parece artificial e deslocado.

Os coadjuvantes também não fazem nada para melhorar a situação. O romance entre Elphaba e Fiyero é sem química alguma, e os vilões são tão caricatos que parecem saídos de um desenho animado genérico. Os coadjuvantes entram e saem da história sem qualquer impacto real, tornando o filme ainda mais desconexo.

Se há algo que poderia ter salvado Wicked, seriam os números musicais. Mas até nisso o filme falha miseravelmente. As coreografias são desajeitadas, os figurinos são cafonas e os cenários parecem feitos com o orçamento de um comercial de loja de fantasias.

As músicas, que já não eram tão boas no musical original, soam ainda piores com os arranjos genéricos e sem criatividade. "Defying Gravity", um dos momentos mais icônicos do teatro musical, é arruinado por uma direção sem inspiração e um uso exagerado de CGI que transforma a cena em um festival de efeitos visuais ruins.

Os efeitos sonoros também são um problema. Muitas vezes, as vozes dos atores parecem desconectadas do ambiente, como se tivessem sido gravadas em um estúdio e coladas no filme de qualquer jeito. O resultado é uma trilha sonora artificial e sem impacto emocional.

O visual do filme é simplesmente grotesco. O CGI é digno de um filme do começo dos anos 2000, com efeitos plásticos e mal renderizados. As criaturas mágicas parecem bonecos animatrônicos de um parque temático decadente, e os cenários são tão artificiais que fazem Cats (2019) parecer uma obra-prima do fotorrealismo.

A direção de Jon M. Chu também é um desastre completo. Ele não consegue dar ritmo às cenas, falha em criar momentos emocionantes e toma decisões estéticas que são questionáveis no mínimo. Tudo parece genérico e sem identidade, como se tivesse sido feito no piloto automático.

Wicked é um fracasso absoluto. Não há nada que possa ser salvo aqui: o roteiro é uma bagunça, as atuações são sofríveis, os efeitos visuais são de quinta categoria e os números musicais são uma vergonha. Este é um filme feito para um público de inteligência limitada, que ainda se ilude com contos de fadas sem substância e não percebe o quão superficial é essa produção.

Jon M. Chu entregou um produto vazio, plastificado e sem alma, que apenas reforça o cansaço do gênero musical nos cinemas. Se você tem algum respeito pelo cinema e pelo seu tempo, passe longe dessa catástrofe cinematográfica.

janeiro 22, 2025

O Brutalista (2024)

 


Título original: The Brutalist
Direção: Brady Corbet
Sinopse: Fugindo da Europa pós-guerra, um arquiteto visionário chega à América para reconstruir sua vida, carreira e casamento. Sozinho em um novo país estranho, ele se estabelece na Pensilvânia, onde um rico e proeminente industrial reconhece seu talento.


O Brutalista é uma obra cinematográfica que transcende as convenções tradicionais, oferecendo uma narrativa épica e profundamente envolvente sobre o sonho americano. Sob a direção magistral de Brady Corbet, o filme nos apresenta a jornada de László Tóth, um arquiteto húngaro-judeu que, após sobreviver ao Holocausto, imigra para os Estados Unidos em busca de novas oportunidades. A interpretação de Adrien Brody no papel de Tóth é tão convincente que nos faz acreditar na existência real do personagem, tamanha a profundidade e autenticidade de sua atuação.

A narrativa se desenrola em um ritmo deliberadamente lento, refletindo a complexidade e os desafios enfrentados pelo protagonista em sua busca pelo sonho americano. Esse ritmo pausado é perfeitamente adequado à história, permitindo uma imersão completa nos dilemas e conquistas de Tóth. O roteiro original é excepcional, construindo uma trama rica em simbolismos e reflexões sobre a imigração, a identidade e a busca pela realização pessoal.

O Brutalista destaca-se como uma obra rara no cinema contemporâneo. A trilha sonora, composta por Daniel Blumberg, é memorável, complementando e elevando as emoções transmitidas pelas cenas. A montagem, sob a responsabilidade de Dávid Jancsó, é impecável, garantindo uma fluidez narrativa que mantém o espectador cativado ao longo de suas três horas e meia de duração.

A direção de Brady Corbet é ímpar, demonstrando uma visão artística clara e uma habilidade notável em harmonizar os diversos elementos do filme. Cada aspecto da produção se encaixa de maneira coesa, resultando em uma obra que é ao mesmo tempo grandiosa e intimista.

As construções brutalistas imponentes projetadas por László Tóth no filme refletem a dureza e a rigidez do sonho americano, que muitas vezes se mostrou inalcançável para a maioria dos imigrantes que viam nos Estados Unidos a terra da oportunidade. A arquitetura brutalista, com suas formas maciças e linhas austeras, serve como uma metáfora poderosa para os desafios e desilusões enfrentados por aqueles que buscam uma nova vida em terras estrangeiras.

Pessoalmente, tenho uma paixão pelo brutalismo, construtivismo e arquitetura de vanguarda, o que reconheço que tornou o filme mais acessível e impactante para mim. A representação cuidadosa e detalhada dessas correntes arquitetônicas no filme é um deleite visual e intelectual, enriquecendo ainda mais a experiência cinematográfica.

Tecnicamente, O Brutalista é perfeito em todos os aspectos. A cinematografia de Lol Crawley captura com maestria a essência das estruturas arquitetônicas e dos ambientes, enquanto o design de produção de Judy Becker recria de forma autêntica o período pós-Segunda Guerra Mundial. Os figurinos de Kate Forbes complementam a ambientação, adicionando profundidade e realismo aos personagens e à narrativa.

No entanto, é importante notar que este não é um filme destinado ao grande público em geral. Sua abordagem contemplativa, duração extensa e temas complexos podem não atrair todos os espectadores. O Brutalista é uma obra que exige do público uma disposição para a reflexão e uma apreciação pelas sutilezas da narrativa e da estética.

Em suma, O Brutalista é uma obra-prima cinematográfica que oferece uma exploração profunda e multifacetada do sonho americano através da lente da arquitetura brutalista. Com atuações excepcionais, direção visionária e uma produção técnica impecável, o filme se destaca como uma das realizações mais notáveis do cinema contemporâneo.


janeiro 21, 2025

Canina (2024)

 


Título original: Nightbitch
Direção: Marielle Heller
Sinopse: Uma mulher lançada à rotina de ficar em casa criando uma criança no subúrbio lentamente abraça o poder selvagem profundamente enraizado na maternidade, conforme ela se torna cada vez mais consciente dos sinais bizarros e inegáveis ​​de que ela pode estar se transformando em um cachorro.


Canina (Nightbitch, 2024), dirigido por Marielle Heller e estrelado por Amy Adams, é uma obra que mergulha profundamente nas complexidades da maternidade contemporânea, utilizando uma narrativa surreal para explorar os desafios e transformações enfrentados por uma mãe em tempo integral. Baseado no romance de Rachel Yoder, o filme combina elementos de comédia negra e horror para oferecer uma perspectiva única sobre a identidade feminina e os sacrifícios pessoais inerentes à criação dos filhos.

A trama centra-se em uma mulher que, após pausar sua carreira artística para se dedicar integralmente ao filho pequeno, começa a acreditar que está se transformando em um cachorro. Essa metamorfose serve como uma metáfora poderosa para a perda de identidade e a sensação de desumanização que muitas mulheres experienciam ao assumirem o papel de mães em tempo integral. A narrativa aborda temas como isolamento, frustração e a luta interna para reconciliar desejos pessoais com as demandas da maternidade.

Um dos aspectos mais notáveis do filme é a decisão deliberada de não nomear os personagens centrais da família. A protagonista é referida simplesmente como "Mãe", enquanto seu marido é chamado de "Marido" e o filho é designado como "Filho". Essa escolha artística reforça a universalidade da experiência retratada, permitindo que o público projete suas próprias vivências e emoções nos personagens. Além disso, enfatiza a perda de identidade individual que pode ocorrer dentro da dinâmica familiar, onde os papéis sociais muitas vezes sobrepõem-se às identidades pessoais.

A atuação de Amy Adams como a protagonista é excepcional. Ela transmite com profundidade a complexidade emocional de uma mulher à beira de uma transformação literal e figurativa. Adams equilibra habilmente momentos de vulnerabilidade e força, capturando a essência de uma mãe que luta contra as expectativas sociais enquanto busca redescobrir a si mesma. Sua performance é tanto comovente quanto perturbadora, oferecendo uma visão autêntica das pressões e alegrias da maternidade.

Os gêmeos Arleigh e Emmett Snowden, que interpretam o filho, entregam performances notáveis. Sua capacidade de retratar a inocência e a curiosidade de uma criança pequena adiciona camadas de autenticidade à dinâmica mãe-filho. A interação entre Adams e os jovens atores é natural e convincente, proporcionando uma base emocional sólida para a narrativa.

Tecnicamente, Canina destaca-se pela edição meticulosa de Anne McCabe. A sequência inicial, que retrata a rotina repetitiva da protagonista como mãe solo, é particularmente eficaz. Através de cortes rápidos e uma montagem rítmica, o filme transmite a monotonia e o cansaço que acompanham as responsabilidades diárias da maternidade. Essa abordagem estabelece o tom para a jornada emocional da personagem, permitindo que o público sinta a claustrofobia e o isolamento que ela enfrenta.

A cinematografia de Brandon Trost complementa a narrativa, utilizando uma paleta de cores que oscila entre tons quentes e frios para refletir os estados emocionais da protagonista. As cenas que capturam sua transformação gradual são filmadas com uma mistura de realismo e surrealismo, criando uma atmosfera que é ao mesmo tempo familiar e inquietante. A trilha sonora de Nate Heller adiciona outra camada à experiência sensorial, com composições que amplificam a tensão e a introspecção presentes ao longo do filme.

No entanto, apesar de suas muitas qualidades, Canina não está isento de críticas. Alguns espectadores podem achar que a metáfora da transformação em cachorro é explorada de maneira excessivamente literal, o que pode diminuir seu impacto simbólico. Além disso, a narrativa pode parecer, em certos momentos, repetitiva, reforçando os mesmos pontos temáticos sem introduzir novas perspectivas ou desenvolvimentos.

Em suma, Canina é uma exploração corajosa e imaginativa da maternidade e da identidade feminina. Com performances fortes, especialmente de Amy Adams, e uma abordagem técnica cuidadosa, o filme oferece uma visão única dos desafios emocionais e psicológicos enfrentados por muitas mulheres. Embora possa não ressoar com todos os públicos devido à sua natureza surreal e simbólica, é uma obra que certamente provocará reflexão e discussão sobre os papéis de gênero e as expectativas sociais na sociedade contemporânea.

A Verdadeira Dor (2024)

 


Título original: A Real Pain
Direção: Jesse Eisenberg
Sinopse: Dois primos que não se dão bem se reúnem para uma excursão pela Polônia para homenagear sua amada avó. A aventura toma um rumo diferente quando as antigas tensões deles ressurgem contra o pano de fundo de sua história familiar.


A Verdadeira Dor (A Real Pain, 2024) é uma obra cinematográfica que surpreende e cativa, dirigida e coescrita por Jesse Eisenberg, que também assume um dos papéis principais. O filme narra a jornada de dois primos, David (interpretado por Eisenberg) e Benji (vivido por Kieran Culkin), que embarcam em uma viagem à Polônia para honrar a memória de sua avó e explorar suas raízes judaicas. O que começa como uma excursão turística se transforma em uma profunda exploração das complexidades familiares, identitárias e históricas.

Eisenberg, conhecido por suas atuações marcadas por uma energia insegura e autodepreciativa, surpreende ao demonstrar uma maturidade notável atrás das câmeras. Sua direção é estupenda, equilibrando com maestria o humor e o drama ao longo da narrativa. O roteiro é primoroso, entrelaçando cenas extremamente dramáticas com momentos de comédia de forma tão harmoniosa que torna a experiência cinematográfica envolvente e autêntica. A profundidade dos diálogos e a construção dos personagens refletem uma compreensão profunda das nuances humanas e das dinâmicas familiares.

Embora eu não costume apreciar as performances de Eisenberg, aqui ele entrega uma atuação bem acima da média, capturando as inseguranças e conflitos internos de David com sutileza e autenticidade. No entanto, a verdadeira estrela do filme é Kieran Culkin. Conhecido por sua atuação magnífica em Succession, Culkin traz para Benji uma energia semelhante, mas com camadas adicionais de vulnerabilidade e complexidade. Sua performance é tão cativante que ele rouba todas as cenas em que aparece, tornando-se, a meu ver, o verdadeiro protagonista da história. Não é à toa que levou quase todos os prêmios de melhor ator coadjuvante da temporada.

O ritmo do filme é excelente e envolvente, conduzindo o espectador por uma montanha-russa emocional sem jamais parecer apressado ou arrastado. A edição é perfeita, permitindo que cada cena respire e contribua para o desenvolvimento da narrativa e dos personagens. As transições suaves e a montagem cuidadosa garantem uma fluidez que mantém o público imerso do início ao fim.

A cinematografia captura a essência da Polônia, contrastando a beleza serena de suas paisagens com o peso histórico que elas carregam. A trilha sonora, que inclui composições de Chopin, complementa perfeitamente o tom melancólico e reflexivo do filme, adicionando profundidade emocional às cenas. A direção de arte e o design de produção são meticulosos, recriando ambientes que refletem tanto a história pessoal dos personagens quanto a herança cultural que eles exploram.

A Verdadeira Dor aborda temas universais como memória, identidade, trauma intergeracional e a busca por pertencimento. A viagem dos primos serve como uma metáfora para a reconciliação com o passado e a compreensão de si mesmos. O filme também levanta questões sobre o turismo de memória e como diferentes gerações processam eventos históricos traumáticos. A mistura de humor e drama permite uma reflexão profunda sem cair na armadilha do didatismo ou do melodrama.

A Verdadeira Dor é uma obra cinematográfica que combina atuações excepcionais, direção habilidosa e um roteiro profundamente humano. É uma experiência que ressoa emocionalmente, convidando o espectador a refletir sobre suas próprias conexões familiares e históricas. Jesse Eisenberg demonstra um talento notável tanto na frente quanto atrás das câmeras, enquanto Kieran Culkin solidifica sua posição como um dos atores mais cativantes de sua geração. Este é um filme que merece ser visto e celebrado por sua honestidade, humor e profundidade emocional.


janeiro 02, 2025

Nosferatu (2024)

 


Título original: Nosferatu
Direção: Robert Eggers
Sinopse: Um conto gótico de obsessão entre uma jovem assombrada na Alemanha do século XIX e o antigo vampiro da Transilvânia que a persegue, trazendo consigo um horror incalculável.


Robert Eggers, um dos mais aclamados diretores da atualidade, conhecido por sua habilidade de misturar precisão histórica e atmosferas inquietantes, entrega em Nosferatu (2024) um filme que pode ser descrito como um marco visual e narrativo. Com um respeito quase reverencial pelo clássico expressionista de 1922, dirigido por F.W. Murnau, Eggers reinventa o mito do vampiro em um épico que é tão sombrio quanto grandioso.

É quase inevitável falar de Nosferatu (2024) sem traçar paralelos com o filme original de 1922. A obra de Murnau foi pioneira em capturar o horror do sobrenatural em imagens que até hoje ecoam no imaginário coletivo. O Conde Orlok de Max Schreck tornou-se um símbolo do grotesco e do inquietante. Eggers, por sua vez, reconhece a importância histórica dessa narrativa, mas também a subverte, oferecendo uma interpretação mais psicológica e visceral do mito.

Enquanto o filme de 1922 era uma adaptação não autorizada de Drácula, que inseria elementos inovadores para evitar processos legais — como o próprio nome “Orlok” em vez de “Drácula” —, Eggers opta por uma abordagem que abraça integralmente o texto original de Bram Stoker. Ao mesmo tempo, preserva traços distintivos do Nosferatu clássico, como a fragilidade do vampiro à luz do sol e sua figura doentia e quase animalesca. Isso faz de Nosferatu (2024) uma obra que se equilibra entre homenagem e reinvenção.

Eggers sempre demonstrou uma preocupação singular com a autenticidade histórica, e Nosferatu não é exceção. Ambientado em meados do século XIX, o filme mergulha profundamente na atmosfera gótica e decadente da Europa Central. Os cenários variam entre castelos sombrios, aldeias decadentes e florestas cobertas por nevoeiro, criando uma sensação de isolamento e mistério. A produção filmada em locações autênticas, como os castelos de Rožmitál pod Třemšínem e Pernštejn, confere à obra uma textura visual quase tangível.

A fotografia assinada por Jarin Blaschke, colaborador frequente de Eggers, é um dos pontos altos do filme. Utilizando película de 35mm, Blaschke opta por uma paleta de cores dessaturada, que remete às tonalidades do cinema expressionista, mas com uma profundidade de campo e um jogo de luz e sombra que apenas a cinematografia contemporânea poderia oferecer. O uso inteligente da iluminação natural em diversas cenas é um tributo ao realismo e também uma ferramenta narrativa que intensifica a tensão.

O trabalho de figurino, liderado por Linda Muir, merece uma menção especial. Cada roupa foi projetada para refletir o contexto social e cultural da época, desde os trajes simples dos aldeões até os vestidos elaborados da personagem Ellen Hutter (interpretada por Lily-Rose Depp). Os tecidos e cortes utilizados são autênticos ao período, mas também servem para expressar a psicologia dos personagens. Ellen, por exemplo, é frequentemente vista em roupas que contrastam com sua personalidade inquieta, sugerindo sua dualidade entre conformismo e rebeldia.

A maquiagem de Bill Skarsgård como Conde Orlok foi alvo de polêmicas desde os primeiros materiais promocionais. Sua aparência grotesca é um afastamento radical das representações mais glamorosas de vampiros na cultura pop. Skarsgård se submeteu a um processo de transformação que incluía próteses faciais, lentes de contato que obscureciam sua visão e dentes postiços que dificultavam sua dicção. O resultado é um Orlok que é ao mesmo tempo repulsivo e hipnotizante, evocando mais piedade do que medo.

Embora o filme conte com um elenco repleto de talentos, algumas atuações não correspondem à grandiosidade da produção. Lily-Rose Depp, como Ellen Hutter, entrega uma performance competente, mas falta-lhe a intensidade necessária para certas cenas cruciais. Por outro lado, Nicholas Hoult, como Thomas Hutter, traz uma energia e vulnerabilidade que tornam seu personagem extremamente humano e relacionável. Willem Dafoe, como o misterioso Dr. Von Franz, é outro destaque, conferindo profundidade e ambiguidade ao seu papel.

Bill Skarsgård, apesar de limitado pelas próteses, transmite uma presença magnética que domina a tela. Seu Orlok é uma figura trágica, quase shakespeariana, cujas ações monstruosas são equilibradas por momentos de patética humanidade.

Robin Carolan, que já havia colaborado com Eggers em O Homem do Norte, assina a trilha sonora, que é uma verdadeira obra-prima. Misturando instrumentos clássicos com sons experimentais, Carolan cria uma paisagem sonora que complementa perfeitamente a narrativa. Algumas faixas foram compostas antes mesmo das filmagens e tocadas no set, ajudando a estabelecer a atmosfera desejada pelo diretor.

A ambientação do filme é igualmente impressionante. Os cenários foram construídos com uma atenção quase obsessiva aos detalhes. Cada elemento, desde os móveis até os objetos decorativos, foi escolhido para refletir o período e contribuir para a narrativa. Eggers é conhecido por sua insistência em autenticidade, e isso é evidente em cada quadro de Nosferatu.

Embora seja tecnicamente uma adaptação de Drácula, o filme explora temas que vão além do texto de Stoker. A sexualidade feminina, por exemplo, é um dos tópicos centrais. Ellen Hutter é retratada como uma mulher complexa, cuja relação com Orlok simboliza tanto o desejo quanto o medo. No entanto, algumas cenas que exploram esse tema são repetitivas, o que pode levar o espectador a sentir que o filme se estende além do necessário.

Outro aspecto digno de nota é a exploração da mortalidade e da obsessão. Orlok é um personagem que personifica o horror da imortalidade, enquanto os humanos ao seu redor lutam para compreender sua própria fragilidade.

Na primeira vez que se assiste a Nosferatu (2024), é fácil sentir-se sobrecarregado pela densidade visual e temática do filme. No entanto, uma revisão revela camadas de significado e uma precisão artística que fazem desta obra um dos filmes mais notáveis da década. Apesar de alguns momentos que poderiam ser mais concisos, a combinação de direção, atuações e design de produção faz de Nosferatu uma verdadeira obra-prima. Eggers prova mais uma vez ser um dos cineastas mais importantes de sua geração, entregando uma obra que não apenas honra o clássico original, mas também o supera em muitos aspectos.