Piano de Família, dirigido por Malcolm Washington em sua estreia como cineasta, adapta a peça homônima de August Wilson, ambientada em Pittsburgh durante a Grande Depressão. A trama explora os conflitos familiares em torno de um piano herdado, cujas esculturas feitas por um ancestral escravizado simbolizam a história da família Charles. A premissa prometia, mas a execução não conseguiu corresponder.
O filme segue o núcleo familiar liderado por Doaker (Samuel L. Jackson), que tenta apaziguar o embate entre Berniece (Danielle Deadwyler) e Boy Willie (John David Washington) sobre o destino do piano. Embora o roteiro preserve o cerne de Wilson — temas como legado, identidade e luto —, ele tropeça em sua transposição para o cinema. O que era intenso e simbólico no teatro se arrasta na tela, esticando cada cena e diálogo além do necessário.
Os diálogos intermináveis, com pretensões de intensidade tarantinesca (personagens também isolados em uma sala, como se fosse Os Oito Odiados), acabam soando vazios e repetitivos. O filme parece querer emular o estilo de Tarantino, mas sem o humor, a tensão ou a dinâmica envolvente. A presença de Samuel L. Jackson — figura frequente em colaborações com Tarantino — reforça essa comparação, mas aqui ele parece desperdiçado. Sua atuação como o moderado Doaker carece de energia, e seu personagem se dilui em meio a discussões incessantes que não levam a lugar algum.
Enquanto críticos exaltaram a performance de John David Washington, sua atuação como Boy Willie soa mediana, incapaz de sustentar a complexidade emocional que o papel exige. Em contrapartida, Ray Fisher, no papel de Lymon, é quem realmente traz alguma nuance ao elenco, com um carisma que ilumina as poucas cenas que lhe são dedicadas. Danielle Deadwyler, como Berniece, entrega uma atuação exagerada, frequentemente gritando suas falas de maneira que prejudica a credibilidade de sua personagem.
O filme comete seu maior equívoco ao incluir elementos sobrenaturais na narrativa. A tensão dramática em torno do piano, já enfraquecida pela repetição, dá lugar a sequências que flertam com o horror de forma desajeitada. A transição abrupta do drama para o surreal é desconexa e transforma um filme já problemático em algo risível. O piano, que deveria simbolizar uma herança carregada de significado, torna-se o foco de cenas exageradas e sem impacto emocional.
Malcolm Washington demonstra potencial técnico em algumas escolhas visuais, mas a inexperiência transparece. Longas tomadas no interior da casa dos Charles buscam criar intimidade, mas acabam sublinhando o ritmo tedioso da narrativa. A trilha sonora, composta por Terence Blanchard, é subutilizada, sendo incapaz de evocar a atmosfera que o filme tanto almeja.
A fotografia, que alterna entre tons quentes e sombrios, parece querer enfatizar o peso do passado e os conflitos presentes, mas não compensa a falta de dinamismo nas cenas. Além disso, o design de produção, embora fiel à época, não apresenta nada memorável.
Com mais de duas horas, Piano de Família exige paciência. Sua tentativa de mesclar drama familiar com elementos sobrenaturais resulta em uma obra que se arrasta e, ao final, desmorona. Para um filme centrado em um piano carregado de significado histórico, Piano de Família desafina em quase todas as notas. É um esforço frustrante que desperdiça um elenco talentoso e uma fonte rica de material.
Se Malcolm Washington buscava em sua estreia um impacto semelhante ao que outros diretores novatos conseguiram ao adaptar obras teatrais, o resultado ficou muito aquém. O longa não só falha em traduzir a intensidade do palco para o cinema, como também transforma um drama potencialmente envolvente em um exercício cansativo de paciência. O piano pode ser o coração da história, mas, aqui, ele desafina do início ao fim.
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