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dezembro 04, 2024

Flow (2024)

 


Título original: Straume
Direção: Gints Zilbalodis
Sinopse: O mundo parece estar chegando ao fim, repleto de vestígios da presença humana. Cat é um animal solitário, mas como seu lar é devastado por uma grande enchente, ele encontra refúgio em um barco povoado por várias espécies, e terá que se unir a elas apesar de suas diferenças. No barco solitário navegando por paisagens místicas e transbordantes, eles navegam pelos desafios e perigos de se adaptar a este novo mundo.


Gints Zilbalodis segue consolidando sua linguagem autoral com Flow, uma animação que, mesmo desprovida de diálogos e sustentada por uma narrativa minimalista, consegue construir um universo que ecoa tanto em sua simplicidade quanto em seus mistérios.

A história é centrada na jornada de um gato e outros animais em um mundo aparentemente desabitado por humanos, mas recheado de vestígios de sua existência. Com uma estrutura narrativa tão linear quanto um conto infantil, o filme carrega um tom contemplativo que busca evocar sentimentos profundos, mas que, por vezes, esbarra na fronteira entre simplicidade e simploriedade.

O visual de Flow é, no mínimo, polarizador. A opção de Zilbalodis por uma animação estilizada, reminiscentemente crua, parece dialogar mais com uma estética de videogames dos anos 1990 do que com o padrão moderno de realismo ou abstração sofisticada. Esse elemento visual, embora tenha seu charme nostálgico, tende a afastar o espectador que espera um acabamento mais refinado. Para muitos, inclusive para mim, a simplicidade das texturas e das modelagens é um ponto fraco que distrai da experiência emocional pretendida.

Apesar disso, alguns detalhes se destacam, como os movimentos incrivelmente naturais do gato protagonista. Seus pulos, andares furtivos e até o dilatar de suas pupilas em situações de estresse são reproduzidos com uma fidelidade que impressiona. Para os amantes de gatos, como eu, esses momentos são um banquete de verossimilhança que nos conecta diretamente à essência felina. Contudo, surge a dúvida: o impacto emocional dessas cenas se deve à qualidade do filme ou simplesmente ao nosso apego natural aos felinos?

O mundo de Flow é um mosaico geográfico. Sob auroras boreais que remetem ao ártico, encontramos florestas tropicais, templos decorados com bandeirinhas que evocam o Himalaia e planícies que poderiam estar em qualquer lugar da Terra. Essa "miniatura do planeta" é fascinante, mas também desconcertante. A ausência de humanos levanta questões filosóficas sobre o legado da humanidade, mas a coexistência de biomas e elementos culturais tão diversos sem qualquer explicação gera uma sensação de incoerência.

Os animais seguem essa mesma lógica: temos capivaras, representantes da América do Sul; lêmures, de Madagascar; e outros seres que parecem estar ali apenas para reforçar o caráter global dessa "Terra imaginada". Entre eles, é impossível não destacar a capivara, que emerge como um verdadeiro símbolo de serenidade e paz interior.

Assim como em Away, seu filme anterior, Zilbalodis utiliza a trilha sonora como uma ferramenta fundamental para preencher o silêncio de sua narrativa sem diálogos. As músicas etéreas, pontuadas por tons melancólicos, criam uma atmosfera imersiva e frequentemente introspectiva. No entanto, o ritmo do filme nem sempre acompanha essa imersão. Algumas sequências parecem se alongar mais do que deveriam, arriscando alienar o espectador menos paciente.

Flow está aberto a múltiplas leituras. Seria uma reflexão sobre a resiliência da vida animal? Uma crítica implícita ao impacto humano no planeta? Ou simplesmente uma celebração visual da diversidade da fauna e flora? Qualquer que seja a intenção de Zilbalodis, o filme oferece espaço para interpretações individuais, embora talvez peque por não oferecer um gatilho emocional mais profundo. Enquanto muitos encontram em Flow uma experiência transcendental, para mim, a ausência de uma conexão mais intensa deixou a obra com um sentimento de potencial não realizado.

Gints Zilbalodis tem o mérito de criar obras que desafiam as convenções da narrativa tradicional, e Flow não é exceção. Com sua abordagem minimalista e uma paleta de temas aberta à interpretação, o filme certamente conquistará admiradores, especialmente entre aqueles que valorizam experiências contemplativas. Contudo, para os que buscam algo mais emocionalmente impactante ou tecnicamente refinado, a obra pode soar frustrante. Em suma, Flow é uma jornada bela e intrigante, mas que, em sua tentativa de ser universal, corre o risco de não tocar profundamente em todos os corações.

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