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dezembro 15, 2024

Interstella 5555 (2003)

 


Título original: Interstella 5555: The 5tory of the 5ecret 5tar 5ystem
Direção: Leiji Matsumoto, Hirotoshi Rissen, Kazuhisa Takenouchi, Daisuke Nishio
Sinopse: Quatro músicos de outra galáxia, que formam o grupo "Crescendolls", são raptados por um agente inescrupuloso. O raptor quer fazer deles o maior grupo musical da Terra e, para isso, os conduz por uma longa viagem cósmica. O filme é a realização visual de "Discovery", um álbum do Daft Punk. Cada clipe do álbum foi animado como um episódio da história de sequestro e resgate de uma banda de pop interestelar.


Revisitar Interstella 5555 na tela grande foi uma experiência que mesclou nostalgia e decepção. O filme, lançado originalmente em 2003, é uma obra-prima que combina a música eletrônica do Daft Punk com a estética vibrante do anime japonês, sob a supervisão do lendário Leiji Matsumoto. No entanto, a recente remasterização para os cinemas, realizada em 2024, apresentou problemas significativos que comprometeram a integridade da obra original.

A trama de Interstella 5555 é uma narrativa visual que acompanha uma banda de alienígenas sequestrados e transformados em estrelas pop na Terra, explorando temas como a comercialização da arte e a perda de identidade. Sem diálogos, o filme se apoia inteiramente na trilha sonora do álbum "Discovery" do Daft Punk, cujas faixas como "One More Time" e "Harder, Better, Faster, Stronger" conduzem a história de forma magistral. A direção de arte, influenciada pelo estilo inconfundível de Matsumoto, confere ao filme uma estética única que combina o futurismo com elementos clássicos do anime.

Contudo, a remasterização de 2024, que utilizou inteligência artificial para aprimorar a qualidade visual, resultou em distorções notáveis. O processo de upscaling automático gerou artefatos que comprometem a clareza e a fidelidade dos traços originais dos personagens. Cenas com multidões, por exemplo, exibem deformações que distraem e prejudicam a imersão do espectador. Embora as cores estejam mais vibrantes, a falta de refinamento no uso da IA resultou em uma apresentação visual aquém do esperado para uma obra de tal importância.

Além disso, a trilha sonora, elemento central do filme, não recebeu o tratamento adequado nesta remasterização. A opção por um áudio estéreo simples, sem a utilização de tecnologias de som mais avançadas disponíveis nas salas de cinema atuais, deixou a experiência sonora plana e sem a profundidade que a música do Daft Punk merece. A ausência de um mixagem de som mais envolvente é uma oportunidade perdida de elevar a experiência auditiva do público.

É importante notar que a decisão de utilizar IA na remasterização foi, em parte, devido à indisponibilidade dos materiais originais em alta definição. O filme foi animado digitalmente em definição padrão, e os masters originais não puderam ser recuperados do Japão, o que levou os responsáveis a optarem pelo upscaling com IA como solução para viabilizar a exibição em 4K.

A exibição limitada de apenas três dias nos cinemas mundiais gerou grande expectativa entre os fãs, mas os problemas técnicos mencionados resultaram em uma experiência inferior à do lançamento original. Anteriormente avaliado com a nota máxima, este relançamento merece uma avaliação ligeiramente inferior, refletindo as falhas na remasterização que, infelizmente, prejudicaram a apreciação de uma obra tão emblemática.

Em resumo, Interstella 5555 continua sendo uma fusão brilhante de música e animação, mas a recente remasterização não fez jus à qualidade da obra original. A esperança é que futuras edições possam corrigir esses problemas, permitindo que novas gerações desfrutem deste clássico em toda a sua glória.

dezembro 14, 2024

O Trem Italiano da Felicidade (2024)

 


Título original: Il Treno dei Bambini
Direção: Cristina Comencini
Sinopse: Na Itália do fim da década de 1940, uma mulher toma a difícil decisão de mandar o filho para outra cidade. Lá, ele encontra uma vida nova, longe da pobreza.



O Trem Italiano da Felicidade" é um drama histórico dirigido por Cristina Comencini, lançado em 2024, que nos transporta para a Itália do pós-Segunda Guerra Mundial, explorando as profundas cicatrizes deixadas pelo conflito e a busca por esperança em tempos de adversidade.


Ambientado em 1946, o filme segue a jornada de Amerigo Speranza, um menino de sete anos que vive com sua mãe, Antonietta, nas ruas empobrecidas de Nápoles. Em meio à devastação econômica e social do pós-guerra, Antonietta toma a difícil decisão de enviar Amerigo para o norte da Itália, onde famílias mais abastadas oferecem melhores condições de vida a crianças do sul. Essa iniciativa, conhecida como "Trens da Felicidade", foi uma operação real organizada pelo Partido Comunista Italiano e pela Unione Donne Italiane, que entre 1945 e 1952 relocou milhares de crianças em busca de um futuro mais promissor.


Cristina Comencini, reconhecida por sua sensibilidade em retratar relações humanas complexas, dirige o filme com maestria, equilibrando elementos históricos e emocionais. O roteiro, coescrito por Comencini, Furio Andreotti, Giulia Calenda e Camille Dugay Comencini, é baseado no romance "Crianças da Guerra: A História sobre o Trem Italiano da Felicidade, de Viola Ardone, que por sua vez se inspira em eventos reais. A narrativa é construída de forma a humanizar as personagens, especialmente as figuras maternas, explorando suas motivações e dilemas em profundidade.


O elenco entrega performances notáveis que conferem autenticidade e profundidade emocional à trama. Christian Cervone, no papel de Amerigo, captura com precisão a inocência e a curiosidade de uma criança confrontada com realidades contrastantes. Serena Rossi interpreta Antonietta, uma mãe endurecida pelas circunstâncias, cuja decisão de enviar o filho para longe é carregada de amor e sacrifício. Barbara Ronchi dá vida a Derna, a mãe adotiva no norte, que oferece a Amerigo não apenas conforto material, mas também a oportunidade de sonhar, simbolizada pelo presente de um violino. Stefano Accorsi, Francesco Di Leva e Antonia Truppo complementam o elenco com atuações sólidas que enriquecem a narrativa.


Sob a direção de Italo Petriccione, a cinematografia destaca o contraste entre o sul devastado e o norte mais próspero da Itália. As ruas estreitas e sombrias de Nápoles são contrapostas às paisagens abertas e luminosas do norte, refletindo visualmente a jornada de Amerigo entre dois mundos. A direção de arte de Alberto Duelli e o figurino de Chiara Ferrantini recriam com precisão a Itália dos anos 1940, desde as vestimentas simples dos habitantes de Nápoles até os trajes mais refinados das famílias do norte, contribuindo para a imersão do espectador no período retratado.: Composta por Nicola Piovani, vencedor do Oscar por A Vida é Bela, a trilha sonora complementa a narrativa com composições que evocam a melancolia e a esperança presentes na jornada de Amerigo, amplificando o impacto emocional das cenas-chave.
O Trem Italiano da Felicidade aborda temas universais como o amor materno, o sacrifício e a busca por um futuro melhor em meio à adversidade. A decisão de Antonietta de enviar Amerigo para o norte, embora dolorosa, reflete a esperança de proporcionar ao filho oportunidades que ela própria não pode oferecer. A relação de Amerigo com Derna, por sua vez, simboliza a possibilidade de reconstrução e crescimento pessoal, mesmo após traumas profundos.


A narrativa também explora as divisões socioeconômicas e culturais entre o norte e o sul da Itália, destacando preconceitos e tensões que persistem até os dias de hoje. No entanto, o filme opta por uma abordagem mais intimista, focando nas experiências individuais das personagens, o que resulta em uma profundidade emocional significativa, embora possa deixar de lado uma análise mais ampla das questões políticas e sociais da época.


O Trem Italiano da Felicidade" é uma obra cinematográfica que combina com sensibilidade elementos históricos e pessoais, oferecendo ao espectador uma experiência emocionalmente rica e reflexiva. As performances autênticas, a direção cuidadosa e os aspectos técnicos bem executados contribuem para a criação de um filme que, embora não isento de falhas, se destaca pela profundidade de suas emoções e pela relevância de suas temáticas. Disponível na Netflix, é uma recomendação valiosa para os apreciadores de dramas históricos que buscam narrativas humanas e tocantes. 

dezembro 13, 2024

A Mistake (2024)

 


Título original: A Mistake
Direção: Christine Jeffs
Sinopse: Uma exploração emocionante de um efeito dominó perigoso que pode ser ativado por um simples erro humano. Quando a experiente cirurgiã Liz Taylor decide deixar seu novo residente, Richard Whitehead, ficar encarregado de algumas pequenas mas delicadas decisões durante uma cirurgia de rotina, um erro é feito e não pode ser corrigido.


Christine Jeffs retorna à direção após um longo hiato desde Brilho de uma Paixão (2009), desta vez apresentando A Mistake, um drama hospitalar estrelado por Elizabeth Banks como Liz Taylor, uma cirurgiã cujas decisões são colocadas à prova após um erro médico fatal. Apesar da premissa promissora e de alguns esforços da equipe técnica, o filme falha em capturar a atenção ou justificar sua existência como um longa-metragem.

O principal problema de A Mistake está em seu ritmo. O filme, que tem uma duração relativamente curta de 101 minutos, consegue parecer interminável. Jeffs (que também é roteirista aqui) criou uma narrativa que tenta explorar a psicologia da protagonista, mas acabou superestimando os acontecimentos, transformando o que poderia ser uma análise sutil em um espetáculo forçado e excessivamente melodramático. A tentativa de conferir profundidade à história apenas sublinha sua superficialidade.

A estrutura do filme, repleta de enquadramentos típicos de séries médicas genéricas, evoca uma frustração familiar. Parece um episódio fraco de Grey's Anatomy, mas sem o charme das tramas românticas ou o ritmo de House, carecendo de um protagonista que capture verdadeiramente o público. O drama da vida hospitalar, que poderia trazer reflexões reais sobre o sistema de saúde ou sobre a humanidade de seus profissionais, é reduzido a dilemas previsíveis e mal desenvolvidos.

Elizabeth Banks, conhecida por papéis em produções duvidosas e realmente ruins, como Jogos Vorazes e Magic Mike XXL, tenta assumir um papel dramaticamente desafiador, mas não consegue sustentar a intensidade emocional exigida pela história. Liz Taylor deveria ser uma personagem tridimensional e vulnerável, mas a interpretação de Banks é insípida, transmitindo pouco além de uma expressão de leve preocupação ou cansaço ao longo do filme. Mesmo em cenas que claramente pedem mais envolvimento emocional, como o confronto com os pais de uma paciente falecida, Banks não consegue imprimir a profundidade necessária.

Os coadjuvantes, como Mickey Sumner no papel de Robin, o interesse amoroso de Liz, e Fern Sutherland como Jessica, sua amiga, até tentam adicionar camadas à narrativa, mas são prejudicados por diálogos pouco inspirados e um roteiro que insiste em ressaltar temas de forma óbvia e repetitiva. Simon McBurney interpreta o cirurgião-chefe McGrath, um personagem que incorpora atitudes sexistas, mas sua caracterização é tão caricatural que o impacto de suas ações é minimizado, contribuindo ainda mais para a falta de nuances do filme.

A direção de Christine Jeffs não traz a mesma sensibilidade vista em seus trabalhos anteriores. Em A Mistake, os enquadramentos excessivamente clínicos, a iluminação fria e o uso insistente de close-ups pouco reveladores resultam em uma estética que emula um procedural televisivo genérico. A trilha sonora, composta para sublinhar o drama, é usada de forma tão insistente que acaba soando artificial, reforçando a sensação de que o filme se esforça demais para parecer significativo.

Há também tentativas de inserir discussões sobre sexismo no ambiente médico e a pressão emocional enfrentada pelos cirurgiões. Contudo, esses temas são tratados de forma tão superficial que perdem o impacto, parecendo mais uma adição obrigatória do que uma análise genuína.

No final das contas, A Mistake é uma produção que tenta ser um estudo de personagem profundo e instigante, mas acaba soando pretensioso e tedioso. Falta carisma, falta tensão, falta o envolvimento que tornaria essa jornada emocionalmente recompensadora para o espectador. Christine Jeffs entrega um filme que parece uma versão longa e sem alma de um episódio descartável de série médica, incapaz de justificar sua existência como um longa.

Se você busca uma experiência cinematográfica marcante ou reflexiva, A Mistake certamente não é a escolha ideal. Contudo, se estiver precisando de um pretexto para tirar uma boa soneca no meio da tarde, esta pode ser a oportunidade perfeita.

dezembro 09, 2024

Thelma (2024)

 


Título original: Thelma
Direção: Josh Margolin
Sinopse: Quando Thelma Post, de 93 anos, é enganada por um golpista ao telefone que finge ser seu neto, ela parte em uma busca traiçoeira pela cidade para recuperar o que lhe foi tirado.


Na comédia de ação Thelma (2024), dirigida por Josh Margolin, a talentosa June Squibb finalmente recebe o reconhecimento de um papel principal após uma carreira de mais de 70 anos. Ao mesmo tempo, o filme entrega uma narrativa previsível que, apesar de começar com força, tropeça em seu próprio excesso.

Inspirado por experiências pessoais do diretor com sua avó, Thelma segue a história de Thelma Post (June Squibb), uma senhora de 93 anos que é enganada por um golpista telefônico. Determinada a recuperar o que é seu, Thelma embarca em uma jornada cheia de situações absurdas, acompanhada por um amigo idoso (Richard Roundtree, em sua performance final) e seu scooter motorizado.

Com elementos cômicos que lembram filmes clássicos de "velhinhos espertos", Thelma tenta trazer frescor ao gênero ao transformar a protagonista idosa em uma heroína de ação, com toques que parodiam filmes como Missão: Impossível. O elenco inclui nomes como Parker Posey, Clark Gregg e Malcolm McDowell (o eterno Alex de Laranja Mecânica), que assume o papel do antagonista de maneira caricata, mas funcional​.

O início do filme é, sem dúvida, o seu ponto mais forte. Há um equilíbrio perfeito entre comédia e ação, com piadas inteligentes que fluem naturalmente. June Squibb brilha desde o primeiro momento em cena, carregando o filme com carisma e autenticidade. É um deleite vê-la assumir o papel de uma personagem que, apesar da idade avançada, demonstra força, humor e determinação.

A cinematografia de Tami Reiker (The Old Guard) usa cores vibrantes para refletir a energia jovial de Thelma, enquanto a trilha sonora de Rob Simonsen (Ghostbusters: Mais Além) adiciona um tom leve e espirituoso que casa bem com o ritmo inicial. Infelizmente, essa magia se desfaz gradualmente​.

Conforme o filme avança, as piadas começam a perder o impacto, tornando-se repetitivas e previsíveis. A ação, que inicialmente parecia uma brincadeira com os clichês do gênero, se torna genérica, quase como uma paródia que se leva a sério demais. É aqui que o filme revela sua maior falha: a incapacidade de manter o frescor inicial.

O roteiro de Margolin tenta sustentar o interesse com sequências de ação mirabolantes e diálogos cheios de trocadilhos, mas acaba repetindo ideias até que elas percam a graça. Muitos momentos lembram filmes como Dois Velhos Rabugentos (1993), de Jack Lemmon e Walter Matthau - e não de forma positiva. Essa familiaridade tira qualquer senso de novidade que o filme poderia oferecer​.

Se há algo que salva Thelma de ser uma experiência completamente esquecível, é a performance espetacular de June Squibb. Sua entrega é sincera, divertida e, acima de tudo, cativante. Ela transforma diálogos simples em momentos memoráveis e se compromete com a fisicalidade exigida pelo papel, chegando a realizar algumas de suas próprias acrobacias, o que é impressionante considerando sua idade.

Richard Roundtree também merece menção, entregando um desempenho comovente em seu último papel. No entanto, o restante do elenco, embora talentoso, fica preso em personagens bidimensionais que não exploram plenamente o potencial dos atores envolvidos​.

Josh Margolin, em sua estreia como diretor, demonstra talento para criar momentos cômicos pontuais e um estilo visual agradável. No entanto, a direção carece de consistência, especialmente no segundo e terceiro atos. Enquanto Margolin claramente tenta transmitir uma mensagem sobre envelhecimento com dignidade e agência, essa ideia se perde em meio a uma execução que não consegue decidir se quer ser sátira, homenagem ou algo novo. A produção da Magnolia Pictures aposta na nostalgia e no carisma dos atores veteranos, mas não fornece um roteiro ou uma direção que os sustente adequadamente. 

Thelma é um filme que tinha todos os ingredientes para ser terrivelmente engraçado e inovador, mas termina como uma mistura de clichês que já vimos muitas vezes antes. Filmes sobre "velhinhos espertos" são tão comuns que, a menos que tragam algo realmente original, dificilmente deixam uma marca duradoura. O primeiro ato é promissor, mas o filme rapidamente descamba para o território do óbvio e do exagerado.

Apesar de tudo, a performance de June Squibb vale cada minuto. Sua atuação é um lembrete do que um ator talentoso pode fazer mesmo com material limitado. No entanto, como um todo, Thelma fica aquém de seu potencial, sendo mais uma adição ao gênero do que uma reinvenção dele. Uma estreia decente para Josh Margolin, mas que ainda deixa muito a desejar.

dezembro 08, 2024

Alice: Subservience (2024)

 


Título original: Subservience
Direção: S.K. Dale
Sinopse: Um pai de família compra uma robô com inteligência artificial para auxiliar nos afazeres domésticos. No entanto, todos seus planos mudam quando a ferramenta acaba adquirindo consciência, com consequências devastadoras.


Por trás de sua premissa aparentemente intrigante, Alice: Subservience tenta explorar questões éticas e emocionais envolvendo tecnologia e humanidade, mas se perde em clichês, decisões narrativas desconexas e uma abordagem que, no fim das contas, subestima o público.

No centro da narrativa está um pai (Michele Morrone) que, sobrecarregado com a gestão familiar, adquire um robô doméstico (Megan Fox) para auxiliar em suas tarefas. Com a introdução de Alice, a androide programada para obedecer, o filme sugere questões sobre subserviência, dependência emocional e os perigos de tecnologias avançadas que ganham consciência. No entanto, essas possibilidades logo se desmoronam sob um roteiro que privilegia cenas de apelo sensacionalista em detrimento de profundidade ou inovação.

A direção de S.K. Dale, que já havia demonstrado ineficácia em criar tensão em Till Death (2021), volta a pecar com uma condução apática e desconexa. O roteiro, assinado por Will Honley e April Maguire, se mostra desarticulado e inconsistente. Exemplo disso é a introdução de subtramas promissoras, como a crítica ao impacto socioeconômico da automação, que são abruptamente abandonadas para focar em cenas que oscilam entre o melodrama exagerado e o terror superficial.

O tom do filme, que inicialmente flerta com o thriller psicológico à la A Mão que Balança o Berço (1992), rapidamente se dissolve em uma mistura desajeitada de erotismo deslocado e ação desnecessária. Há uma tentativa de combinar temas futuristas com elementos de suspense doméstico, mas a falta de coesão prejudica qualquer impacto narrativo.

Megan Fox, conhecida por trabalhos em Transformers (2007) e Garota Infernal (2009), até poderia ter encontrado um papel interessante como a androide Alice. Infelizmente, sua atuação carece de nuances e intensidade, resultado não apenas de suas limitações como intérprete, mas também de diálogos fracos e uma direção que falha em explorar seu potencial.

Michele Morrone, de 365 Dias (2020), tenta adicionar credibilidade emocional ao seu personagem, mas é prejudicado por uma trama que trivializa os conflitos internos de seu papel. Madeline Zima, como a mãe hospitalizada, e a jovem Matilda Firth também sofrem com a superficialidade de seus arcos.

Se há algum mérito técnico, ele reside na cinematografia de Daniel Lindholm, que utiliza luzes frias e ambientes minimalistas para reforçar a atmosfera tecnológica. No entanto, a estética visual não é suficiente para compensar os problemas estruturais. A trilha sonora de Jed Palmer tenta criar tensão, mas se torna repetitiva e previsível.

O filme se sabota constantemente ao priorizar cenas de impacto gratuito, como sequências eróticas mal justificadas, em vez de desenvolver seus temas. A transformação de Alice, que deveria ser o clímax da narrativa, é tratada de forma abrupta, fazendo a transição de "ajudante ideal" para "ameaça mortal" parecer apressada e inverossímil.

Outro ponto problemático é a tentativa de abordar um conflito ético maior, como a substituição de trabalhadores por máquinas, apenas para abandonar o tema sem resolução. Essa falta de comprometimento com as ideias propostas resulta em uma experiência frustrante para o espectador.

No final, Alice: Subservience é um exemplo de potencial desperdiçado. Apesar de uma premissa interessante e uma produção tecnicamente competente, a execução repleta de clichês, falhas narrativas e um foco deslocado tornam o filme uma experiência exasperante. Ele falha em ser um comentário relevante sobre tecnologia ou um thriller convincente, entregando apenas uma miscelânea de conceitos mal realizados. Zero total.

Os Últimos Românticos (2019)

 


Título original: Os Últimos Românticos
Direção: João Cândido Zacharias
Sinopse: Dois jovens compartilham diferentes pontos de vista sobre o mesmo encontro sexual em um espaço público.


A simplicidade nunca foi tão reveladora quanto em Os Últimos Românticos (2019), de João Cândido Zacharias. O curta de 12 minutos explora um encontro casual entre dois homens, desdobrando suas percepções contrastantes sobre um momento íntimo. Este ponto de partida aparentemente simples é elevado por diálogos realistas e performances marcantes, que transcendem as expectativas e entregam uma experiência universal, mesmo dentro de um tema muito específico.

Como no trabalho anterior do diretor, Sandra Chamando, a habilidade em dirigir os protagonistas é fenomenal. Maurício José e Lucas Canavarro dão vida aos personagens com naturalidade, tanto nas atuações quanto nos diálogos, capturando com precisão a autenticidade de situações que muitos já vivenciaram. Essa abordagem direta e emocional reflete a capacidade do diretor de transformar momentos cotidianos em arte, sem necessidade de artifícios ou exageros. O roteiro, também assinado por Zacharias, equilibra leveza e profundidade, abordando questões sobre conexão, memória e vulnerabilidade.

Outro aspecto notável do roteiro é que, apesar de sua simplicidade, é surpreendentemente rico em nuances. Ele aborda temas como sexualidade, intimidade e as diferentes maneiras de experimentar e interpretar os mesmos momentos. A dualidade apresentada pelos protagonistas — um que enxerga o evento com nostalgia e outro com desconforto — desafia o espectador a refletir sobre as complexidades das relações humanas e os limites entre o privado e o público.

Os Últimos Românticos também encontrou ressonância internacional, tendo sido exibido em festivais como o Indie Lisboa, Pink Apple Queer Film Festival, e FIRE!! Barcelona LGBT Film Festival, além de receber uma menção especial do júri no Espacio Queer Film Festival. Isso demonstra não apenas a relevância temática da obra, mas também seu apelo universal, capaz de tocar audiências diversas.

O filme prova que a extrema simplicidade não implica falta de qualidade. Pelo contrário, é uma celebração da narrativa minimalista, onde cada detalhe, desde as expressões dos atores até as escolhas técnicas, contribui para uma obra coesa e emocionalmente poderosa. João Cândido Zacharias reafirma aqui seu talento em capturar a essência do cotidiano, transformando o ordinário em algo extraordinário. Em uma era de produções cada vez mais grandiosas e complexas, Os Últimos Românticos lembra que o verdadeiro impacto está na sinceridade com que histórias simples são contadas. Essa simplicidade contagiante seria, mais tarde, atingida pelo diretor no seu longa de estreia, A Herança (2024).

Sandra Chamando (2017)

 


Título original: Sandra Chamando
Direção: João Cândido Zacharias
Sinopse: No curta, após um encontro casual para uma noite de sexo, dois jovens rapazes “esticam” o encontro e começam a conversar e fazer reflexões sobre assuntos como vida, perdas, morte e luto.


O filme narra a história de uma pessoa lidando com a perda e buscando entender os ecos emocionais deixados por uma figura importante em sua vida. Apesar de sua duração limitada, o curta consegue explorar questões complexas como a memória, o vazio da ausência e o processo de reconstrução pessoal após uma perda significativa. Essa profundidade é um dos méritos do roteiro assinado por Zacharias, que equilibra momentos de introspecção com diálogos simples, mas carregados de subtexto.

João Cândido Zacharias exibe um domínio excepcional da direção de elenco. A espontaneidade dos atores é impressionante, especialmente em momentos que dependem da sutileza de reações não verbalizadas. Igor Mo e Maurício José Barcellos, que lideram o elenco, entregam performances cheias de humanidade, com destaque para a química orgânica entre os personagens, algo que potencializa o impacto emocional do filme.

Zacharias, formado em cinema pela Universidade Federal Fluminense, imprime no curta uma visão que transcende sua simplicidade narrativa. Ele guia os atores de forma que o público se sinta conectado às suas emoções, criando um ambiente cinematográfico que é ao mesmo tempo intimista e universal.

A paleta de cores suaves e a utilização de planos estáticos ajudam a transmitir a sensação de imobilidade emocional do luto. A montagem de Livia Arbex, por sua vez, dá ritmo à história ao balancear momentos contemplativos com diálogos essenciais, criando uma experiência fluida e envolvente para o espectador.

Sandra Chamando é mais do que um curta-metragem sobre luto; é uma exploração poética das conexões humanas e da forma como nos reconciliamos com a ausência. A obra reflete o crescimento do cinema brasileiro contemporâneo, provando que histórias locais podem ressoar universalmente quando bem contadas.

O filme também é um exemplo de como curtas-metragens podem ser tão impactantes quanto longas, utilizando sua duração limitada para focar em emoções e temas específicos, ao invés de expandir excessivamente sua narrativa. A abordagem de Zacharias mostra sua habilidade em trabalhar com precisão narrativa e emocional.

Com atuações cativantes, uma direção de arte cuidadosa e uma mensagem que atinge o coração, Sandra Chamando se consolida como uma obra essencial no circuito de festivais de cinema. É um exemplo notável de como simplicidade, quando aliada a uma execução impecável, pode resultar em uma experiência cinematográfica memorável.

Aqui (2024)

 


Título original: Here
Direção: Robert Zemeckis
Sinopse: Ambientado em um único lugar, Aqui acompanha diversas famílias ao longo de gerações, todas conectadas por este espaço que um dia chamaram de lar. Estrelado por Tom Hanks e Robin Wright, é uma emocionante jornada de amor, perdas, risos e memórias, que nos transporta desde o passado mais distante até um futuro próximo. Uma viagem pela linha do tempo da humanidade, contada de forma emocionante e surpreendente, onde tudo acontece em um único lugar: Aqui.


Robert Zemeckis sempre foi um cineasta de extremos: sua habilidade de unir tecnologia de ponta com narrativas emotivas o tornou responsável por alguns dos maiores sucessos do cinema contemporâneo. Obras como De Volta Para o Futuro e Forrest Gump não apenas moldaram a cultura popular, mas também mostraram como o diretor sabe manipular o sentimentalismo com maestria. Em Aqui (Here, 2024), Zemeckis embarca em uma jornada igualmente ambiciosa, adaptando a aclamada graphic novel de Richard McGuire para as telas, uma tarefa que, por si só, parecia impossível. No entanto, o resultado final é uma experiência cinematográfica única e arrebatadora, apesar de suas imperfeições.

O filme é ambientado em um único espaço: uma sala que testemunha momentos da existência humana desde a era dos dinossauros até um futuro distante. É uma premissa que soa teatral e, de fato, Aqui em muitos momentos parece mais uma peça filmada do que uma produção tradicional. Essa abordagem, no entanto, é onde reside grande parte de sua força. A sala se torna um palco onde diferentes eras coexistem, fragmentando o tempo e transformando o espectador em um montador de quebra-cabeças emocionais e históricos.

A transposição dos quadrinhos para o cinema foi brilhantemente realizada por meio de uma edição que literalmente faz jus à ideia de "quadrinhos". As transições temporais são fenomenais, exibindo eventos que ocorrem simultaneamente em épocas distintas. Esse efeito não apenas preserva a essência da obra original, mas também exige um envolvimento ativo do público, convidando-o a criar uma linha do tempo mental enquanto a história se desenrola diante de seus olhos.

Zemeckis mais uma vez mostra seu domínio técnico ao utilizar uma tecnologia de inteligência artificial para rejuvenescer atores como Tom Hanks e Robin Wright. A presença dos dois juntos novamente é nada menos que emocionante, evocando lembranças de Forrest Gump enquanto trazem peso emocional às suas performances. A tecnologia, desta vez, é utilizada com sutileza, sem causar o desconforto que tantas vezes acompanha essas experimentações digitais. Tom Hanks, rejuvenescido, é incrivelmente convincente, enquanto Robin Wright oferece uma performance que equilibra emoção e contenção.

O elenco de apoio também merece destaque. Paul Bettany se sobressai com sua interpretação profundamente humana, trazendo nuances para um personagem que atravessa diferentes momentos históricos. Kelly Reilly e Michelle Dockery, embora em papéis mais limitados, complementam o elenco com atuações sólidas e marcantes.

A parceria de Zemeckis com Alan Silvestri é, sem dúvida, uma das melhores decisões do filme. A trilha sonora original é cativante, pontuando os momentos mais dramáticos e sensíveis com perfeição. Além disso, a escolha de músicas clássicas como canções dos Beatles e Everly Brothers para marcar as épocas adiciona uma camada extra de autenticidade e nostalgia. A música se torna um elemento fundamental na construção da atmosfera de cada período, conectando o espectador emocionalmente com as diversas narrativas.

Em Aqui, o tempo é tanto o protagonista quanto o antagonista. O filme aborda de maneira poética e, muitas vezes, devastadora, os ciclos da vida: aniversários, casamentos, funerais, pandemias e os momentos mais mundanos que compõem nossa existência. É impossível não se emocionar ao ver o passar do tempo afetar os personagens, especialmente em cenas que retratam doenças como Alzheimer e a inevitabilidade do envelhecimento.

Embora o sentimentalismo exacerbado possa afastar alguns críticos, para mim, foi exatamente essa entrega emocional que tornou o filme tão impactante. Ele captura a essência do que significa ser humano em toda sua fragilidade e resiliência. Mesmo os momentos mais clichês conseguem encontrar ressonância devido à habilidade de Zemeckis em equilibrar técnica e emoção.

Como esperado, muitos críticos foram duros com o filme, apontando sua estrutura fragmentada e a dificuldade de conexão emocional com algumas narrativas. Essa fragmentação, de fato, impede que certos personagens ou histórias tenham tempo suficiente para se desenvolver completamente. Entretanto, essa mesma característica é o que confere ao filme sua identidade única. Ele não tenta ser uma narrativa tradicional, mas sim uma meditação sobre o tempo e a memória.

Para aqueles que preferem uma experiência cinematográfica mais linear, Aqui pode parecer desconexo ou até frio em alguns momentos. Porém, para quem está disposto a embarcar em sua proposta experimental, o filme oferece uma recompensa rica e profunda. É uma obra que exige atenção, paciência e, acima de tudo, disposição para sentir.

Aqui não é um filme para todos, mas para aqueles que se permitem ser tocados por sua ousadia e emotividade, ele é uma experiência inesquecível. Zemeckis prova mais uma vez ser um mestre na direção de atores e na utilização da tecnologia para servir à narrativa. Apesar de suas falhas, o filme é um lembrete poderoso da efemeridade da vida e da importância de valorizar cada momento. Recomendo assistir no cinema, onde sua grandiosidade visual e emocional pode ser plenamente apreciada.

dezembro 07, 2024

Blitz (2024)

 


Título original: Blitz
Direção: Steve McQueen
Sinopse: Na Londres da Segunda Guerra Mundial, George, de nove anos, é evacuado para o campo por sua mãe, Rita, para escapar dos bombardeios. Desafiador e determinado a voltar para sua família, George embarca em uma jornada épica e perigosa de volta para casa enquanto Rita o procura.


Steve McQueen retorna com Blitz, um drama histórico ambientado durante dois dias do bombardeio nazista em Londres durante a Segunda Guerra Mundial. Conhecido por sua abordagem contundente em filmes como 12 Anos de Escravidão e Shame, McQueen tenta capturar a crueza de uma Londres devastada e resiliente. Embora o filme apresente um contexto histórico poderoso e uma direção visual refinada, ele tropeça em sua narrativa fragmentada e performances inexpressivas, que comprometem sua capacidade de impactar o público.

A mixagem de som é uma das qualidades mais notáveis de Blitz. Cada explosão, sirene e o retumbar das paredes que desmoronam é reproduzido com tamanha precisão que imerge o espectador no caos da guerra. A qualidade sonora complementa a cinematografia de Yorick Le Saux, que substitui Sean Bobbitt, colaborador habitual de McQueen. Embora Le Saux traga uma abordagem mais polida e "streamer-ready", sua cinematografia falha em capturar a visceralidade que Bobbitt trazia em projetos anteriores do diretor.

As cenas que mostram a blitzkrieg em si, embora poucas, são de qualidade impecável. Elas destacam a destruição em detalhes dolorosamente realistas e poderiam ter sido exploradas em maior profundidade. Ao optar por um enfoque mais intimista, McQueen restringe o impacto visual que o filme poderia ter oferecido em relação às consequências dos bombardeios em larga escala.

O jovem Elliott Heffernan, estreando como o protagonista Tom, não consegue transmitir a complexidade emocional necessária para um papel tão central. Sua atuação é monótona, e a falta de empatia que seu personagem desperta compromete o envolvimento do espectador. A situação é agravada pela performance de Saoirse Ronan, que interpreta Grace, uma enfermeira resiliente. Apesar de estar cotada para o Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante, sua atuação carece de expressividade, reduzindo a dinâmica entre os personagens a algo morno e tedioso.

Esse "dueto amorfo" é especialmente frustrante porque ambos os personagens deveriam ser os corações pulsantes do filme. Ronan, com um histórico de atuações elogiadas, parece deslocada neste papel, contribuindo para que o filme se arraste em momentos que deveriam ser intensos e emocionantes.

O maior problema de Blitz está em seu roteiro, que é fraco e episódico. Ao se passar em apenas 48 horas, a narrativa poderia ter sido coesa e focada, mas acaba se tornando fragmentada. O filme transita entre subtramas que não são desenvolvidas adequadamente, o que reduz o impacto dramático. Embora McQueen seja um mestre em criar tensão e explorar a humanidade em situações extremas, aqui ele perde a mão, apresentando uma história que se dissolve em clichês e momentos desconectados.

A tentativa de capturar o espírito de comunidade e solidariedade durante um período tão sombrio é admirável, mas a entrega carece de autenticidade. Em vez de emocionar, o filme frequentemente recorre a discursos genéricos que pouco contribuem para a narrativa.

Se por um lado o roteiro decepciona, o filme ganha mérito ao retratar de forma crua a época da Blitz. As condições precárias dos abrigos subterrâneos, a tensão constante dos ataques aéreos e a tentativa das pessoas de manter a dignidade em meio ao caos são aspectos que McQueen representa com honestidade. Essas cenas são as mais eficazes para transportar o público àquela Londres devastada.

Blitz tinha todos os elementos para ser um retrato poderoso de um dos momentos mais sombrios da história moderna, mas escorrega em escolhas narrativas que diluem seu impacto. Apesar de momentos de grande valor técnico, como a mixagem de som e algumas sequências visualmente impressionantes, o filme é prejudicado por atuações inexpressivas e um roteiro fragmentado. McQueen, conhecido por seu olhar afiado e abordagens ousadas, aqui parece contido, entregando um filme que, embora tecnicamente competente, falha em provocar a emoção e reflexão que se esperaria de um diretor de sua estatura.

No final, Blitz se torna um esforço admirável, mas ineficaz, que deixa o público com a sensação de que algo muito maior e mais significativo poderia ter sido alcançado.


dezembro 04, 2024

Flow (2024)

 


Título original: Straume
Direção: Gints Zilbalodis
Sinopse: O mundo parece estar chegando ao fim, repleto de vestígios da presença humana. Cat é um animal solitário, mas como seu lar é devastado por uma grande enchente, ele encontra refúgio em um barco povoado por várias espécies, e terá que se unir a elas apesar de suas diferenças. No barco solitário navegando por paisagens místicas e transbordantes, eles navegam pelos desafios e perigos de se adaptar a este novo mundo.


Gints Zilbalodis segue consolidando sua linguagem autoral com Flow, uma animação que, mesmo desprovida de diálogos e sustentada por uma narrativa minimalista, consegue construir um universo que ecoa tanto em sua simplicidade quanto em seus mistérios.

A história é centrada na jornada de um gato e outros animais em um mundo aparentemente desabitado por humanos, mas recheado de vestígios de sua existência. Com uma estrutura narrativa tão linear quanto um conto infantil, o filme carrega um tom contemplativo que busca evocar sentimentos profundos, mas que, por vezes, esbarra na fronteira entre simplicidade e simploriedade.

O visual de Flow é, no mínimo, polarizador. A opção de Zilbalodis por uma animação estilizada, reminiscentemente crua, parece dialogar mais com uma estética de videogames dos anos 1990 do que com o padrão moderno de realismo ou abstração sofisticada. Esse elemento visual, embora tenha seu charme nostálgico, tende a afastar o espectador que espera um acabamento mais refinado. Para muitos, inclusive para mim, a simplicidade das texturas e das modelagens é um ponto fraco que distrai da experiência emocional pretendida.

Apesar disso, alguns detalhes se destacam, como os movimentos incrivelmente naturais do gato protagonista. Seus pulos, andares furtivos e até o dilatar de suas pupilas em situações de estresse são reproduzidos com uma fidelidade que impressiona. Para os amantes de gatos, como eu, esses momentos são um banquete de verossimilhança que nos conecta diretamente à essência felina. Contudo, surge a dúvida: o impacto emocional dessas cenas se deve à qualidade do filme ou simplesmente ao nosso apego natural aos felinos?

O mundo de Flow é um mosaico geográfico. Sob auroras boreais que remetem ao ártico, encontramos florestas tropicais, templos decorados com bandeirinhas que evocam o Himalaia e planícies que poderiam estar em qualquer lugar da Terra. Essa "miniatura do planeta" é fascinante, mas também desconcertante. A ausência de humanos levanta questões filosóficas sobre o legado da humanidade, mas a coexistência de biomas e elementos culturais tão diversos sem qualquer explicação gera uma sensação de incoerência.

Os animais seguem essa mesma lógica: temos capivaras, representantes da América do Sul; lêmures, de Madagascar; e outros seres que parecem estar ali apenas para reforçar o caráter global dessa "Terra imaginada". Entre eles, é impossível não destacar a capivara, que emerge como um verdadeiro símbolo de serenidade e paz interior.

Assim como em Away, seu filme anterior, Zilbalodis utiliza a trilha sonora como uma ferramenta fundamental para preencher o silêncio de sua narrativa sem diálogos. As músicas etéreas, pontuadas por tons melancólicos, criam uma atmosfera imersiva e frequentemente introspectiva. No entanto, o ritmo do filme nem sempre acompanha essa imersão. Algumas sequências parecem se alongar mais do que deveriam, arriscando alienar o espectador menos paciente.

Flow está aberto a múltiplas leituras. Seria uma reflexão sobre a resiliência da vida animal? Uma crítica implícita ao impacto humano no planeta? Ou simplesmente uma celebração visual da diversidade da fauna e flora? Qualquer que seja a intenção de Zilbalodis, o filme oferece espaço para interpretações individuais, embora talvez peque por não oferecer um gatilho emocional mais profundo. Enquanto muitos encontram em Flow uma experiência transcendental, para mim, a ausência de uma conexão mais intensa deixou a obra com um sentimento de potencial não realizado.

Gints Zilbalodis tem o mérito de criar obras que desafiam as convenções da narrativa tradicional, e Flow não é exceção. Com sua abordagem minimalista e uma paleta de temas aberta à interpretação, o filme certamente conquistará admiradores, especialmente entre aqueles que valorizam experiências contemplativas. Contudo, para os que buscam algo mais emocionalmente impactante ou tecnicamente refinado, a obra pode soar frustrante. Em suma, Flow é uma jornada bela e intrigante, mas que, em sua tentativa de ser universal, corre o risco de não tocar profundamente em todos os corações.

dezembro 03, 2024

A Herança (2024)

 


Título original: A Herança
Direção: João Cândido Zacharias
Sinopse: Ao saber da morte de sua mãe, Thomas retorna ao Brasil com seu namorado, Beni. Ele fica sabendo a existência de uma casa no interior que pertenceu a uma avó que nunca chegou a conhecer. Movidos pela curiosidade quanto ao seu passado familiar, eles decidem visitar a casa, onde são recebidos por duas senhoras, tias de Thomas, que o tratam como um filho perdido que finalmente volta ao lar. À medida que Thomas vai ficando mais encantado com o lugar, Beni começa a desconfiar que algo macabro se esconde por debaixo daquela fachada de vida tranquila do interior.


João Cândido Zacharias surpreende com sua estreia em longas-metragens ao entregar A Herança, um filme que explora o suspense psicológico com uma abordagem refrescante, raríssima no cinema brasileiro contemporâneo. Em apenas 80 minutos, o diretor consegue condensar uma narrativa tensa e inquietante, com doses equilibradas de mistério e terror psicológico, provando que menos é mais.

A história é centrada em Thomas (Diego Montez), que retorna ao Brasil vindo da gelada Berlim, acompanhado de seu companheiro Beni (Yohan Levy). Ao herdar a fazenda “Dores Felizes” de sua avó, Thomas é recebido por duas tias idosas (vividas por Analú Prestes e Cristina Pereira). O nome da propriedade já prenuncia a ironia da situação, pois logo se torna um palco de tensões familiares, desconfianças e eventos sombrios.

A relação entre Thomas e Beni é explorada com sensibilidade, e a química entre os atores sustenta grande parte da carga emocional do filme. No entanto, o conflito se intensifica à medida que Thomas se deixa seduzir pelo encanto da propriedade e pela manipulação das tias, enquanto Beni, mais cético, percebe que algo não está certo. Essa divergência de perspectivas é central para a construção do suspense, permitindo ao público se identificar ora com o fascínio de Thomas, ora com a angústia de Beni.

Diego Montez (O Sequestro do Voo 375, O Rei da TV) brilha em sua interpretação de Thomas, trazendo uma performance contida e convincente. Seu olhar transmite a complexidade de um homem dividido entre o desejo de pertencer e a lealdade a seu parceiro. Yohan Levy, como Beni, complementa essa dinâmica com uma atuação igualmente sólida, demonstrando vulnerabilidade e determinação.

Por outro lado, as performances de Analú Prestes (Além do Horizonte, Cheias de Charme) e Cristina Pereira (De Pernas Pro Ar, Trair e Coçar É Só Começar) como as tias são um ponto mais frágil. Embora suas personagens tenham um papel crucial na trama, suas atuações tendem ao exagero, beirando o caricatural em alguns momentos, o que pode quebrar a imersão.

Zacharias mostra um domínio surpreendente do cinema de gênero, inspirando-se mais no suspense do que no terror explícito. Sua direção é minimalista, apostando em atmosferas densas e na sugestão em vez da exposição. Isso fica evidente na transição entre os cenários: da fria e moderna Berlim para o ambiente decadente e opressivo da fazenda brasileira. A disparidade entre os dois mundos é explorada visualmente com maestria, ressaltando o desconforto do deslocamento.

Além disso, o diretor imprime uma assinatura única ao filme, trazendo sua sensibilidade pessoal e estética apurada – ele mencionou que sua experiência de luto durante o desenvolvimento do roteiro foi crucial para a autenticidade emocional do filme. Essa profundidade é evidente na narrativa e na direção de atores, criando personagens tridimensionais e envolventes. É raro encontrar um filme de terror que equilibre tão bem o entretenimento e a exploração psicológica.

A produção, liderada pela Bubbles Project em parceria com a Sony Pictures International, contou com a colaboração de um elenco e uma equipe técnica de destaque. A integração de talentos internacionais e nacionais elevou a qualidade do projeto, resultando em uma obra que dialoga com padrões globais do cinema de terror.

 A trilha sonora de Bernardo Uzeda (Medusa, Minha Mãe É uma Peça 3) merece destaque especial. Simples e eficiente, ela evita os clichês típicos de filmes de terror, preferindo criar tensão por meio de sons sutis e atmosferas sonoras. Já o trabalho de Gustavo Loureiro (Medusa, Vizinhos) na edição de som é notável por sua atenção aos detalhes, como os sons de passos, portas rangendo – em uma excelente distribuição sonora na sala de cinema – e, em especial que me marcou, o efeito sonoro grotesco de uma fatia de bolo com ingredientes questionáveis, que deixa o espectador arrepiado, pois havíamos finalmente visto a origem de bolo tão “gostoso” feito por Tia Berta. Inclusive essa sequência do porão, do queijo, do bolo, de como Beni realmente vê as coisas que estão ocorrendo em Dores Felizes é um excelente símbolo desses raros momentos no cinema de terror no geral e no cinema nacional em especial: o grotesco está nas pequenas coisas e não nas grandes perseguições ou muito sangue em tela como tende a acontecer.

O design de produção, assinado por uma equipe minuciosa, é um dos pontos altos de A Herança. A casa, cenário central, funciona quase como um personagem, com seu estilo arquitetônico e detalhes meticulosamente planejados para evocar uma atmosfera de opressão e mistério. A iluminação utiliza sombras e contrastes para amplificar a sensação de inquietação, enquanto a trilha sonora complementa o suspense sem jamais se sobrepor à narrativa.

A fotografia de Guilherme Tostes (Madalena, Obsessão), especialmente em cenas noturnas, combina um tom claustrofóbico com uma beleza gótica, algo raramente visto no cinema nacional. Cada enquadramento é cuidadosamente pensado para transmitir o isolamento dos protagonistas e a presença quase tangível de algo maligno, sem nunca mostrar além do estritamente necessário que o espectador realmente precisa enxergar. São diversos planos belíssimos durante o filme, especialmente em jogos de luz e sombra que evocam muitos clássicos do expressionismo alemão.

Se há um ponto que enfraquece o impacto de A Herança, é o uso de CGI no clímax. Embora o filme construa tensão de forma exemplar ao longo de seus primeiros dois atos, o recurso digital no final parece desnecessário e até deslocado, considerando a sutileza predominante até então. Um desfecho mais sutil e menos gráfico teria sido mais coerente com o restante da obra.

Além de funcionar como um suspense psicológico, A Herança oferece uma camada de crítica social. A manipulação de Thomas pelas tias reflete uma crítica ao “mito da família” e à forma como laços de sangue podem ser usados para alienar indivíduos, o que também deixa desconfortável grande parte dos espectadores queer do longa – a identificação mais que pessoal com diversas cenas é inevitável. O culto bizarro que permeia a narrativa também serve como metáfora para a influência opressora de certas crenças religiosas, que podem levar as pessoas a rejeitar aqueles que realmente as amam. Exatamente nessa parte do culto é que vemos uma das partes mais perniciosas de A Herança (no bom sentido), com cenas gráficas na medida e uma nada sutil (e gráfica) representação da malevolência da heteronormatividade.

Essa combinação de temas tão absurdamente diferentes em um longa não tão longo assim faz de A Herança uma obra que transcende o gênero, convidando o público a refletir sobre questões profundas, mesmo após os créditos finais.

Outro mérito do filme é sua produção independente, financiada por recursos privados. Em um cenário dominado por projetos patrocinados por leis de incentivo, A Herança representa uma lufada de ar fresco para o cinema nacional, mostrando que é possível criar obras originais e impactantes fora do circuito tradicional. Infelizmente, a distribuição limitada do filme em poucas salas e horários restringe seu alcance. É lamentável que uma obra tão singular não receba a visibilidade que merece, especialmente em um mercado ávido por novidades.

A Herança é uma prova do potencial inexplorado do cinema brasileiro no suspense psicológico. Com uma direção segura, atuações marcantes e uma narrativa instigante, João Cândido Zacharias entrega um filme que merece ser celebrado. Apesar de alguns poucos deslizes citados, a obra é um marco, tanto pelo que representa para o gênero quanto pelo que sugere para o futuro do cinema nacional. Que venham mais heranças criativas como esta!

Jurado Nº 2 (2024)

 


Título original: Juror #2
Direção: Clint Eastwood
Sinopse: O pai de família Justin Kemp atua como jurado em um julgamento por assassinato de destaque, se vê enfrentando um grave dilema moral... podendo influenciar o veredito do júri e talvez condenar — ou libertar — o assassino acusado.


Clint Eastwood, uma lenda viva do cinema, entrega com Jurado Nº 2 o que foi anunciado como seu último trabalho como diretor. O filme, um drama de tribunal com nuances psicológicas, é uma obra que inevitavelmente carrega o peso de sua filmografia extensa e da expectativa de um adeus cinematográfico. Ainda assim, o resultado é um trabalho correto, mas sem o brilho esperado de um canto do cisne.

Jurado Nº 2 acompanha Justin Kemp (Nicholas Hoult), um jurado em um julgamento de assassinato que, ao longo do processo, percebe que pode ter sido o responsável pelo crime que está sendo avaliado. Essa premissa instigante traz uma carga emocional e moral significativa, colocando o protagonista em um dilema: confessar sua culpa e enfrentar as consequências ou permanecer em silêncio e influenciar a decisão dos demais jurados.

Essa premissa é o ponto mais forte do filme, pois explora os limites da justiça e da responsabilidade individual. Contudo, o desenvolvimento do roteiro é prejudicado por uma direção que, em vários momentos, não consegue sustentar a tensão ou aprofundar as complexidades morais sugeridas. O ritmo arrastado e as escolhas previsíveis acabam enfraquecendo o potencial da narrativa.

Nicholas Hoult é, sem dúvida, o destaque do elenco. Seu retrato de Justin é sutil e eficaz, capturando com habilidade o conflito interno de um homem tentando equilibrar a culpa e a necessidade de fazer o que é certo. Hoult transmite um amplo espectro emocional sem exageros, consolidando-se como um ator de versatilidade impressionante.

Por outro lado, Toni Collette, como a promotora Faith Killebrew, entrega uma performance apática, longe do vigor que seu papel demandava. Sua personagem, que poderia ser uma força motriz no desenrolar da história, acaba se perdendo em um roteiro que não lhe oferece grandes oportunidades. J. K. Simmons, sempre competente, interpreta um papel secundário que tinha grande potencial dramático, mas suas cenas são abruptamente interrompidas, deixando a sensação de desperdício de talento. Chris Messina, como o advogado de defesa, oferece uma atuação genérica e sem caráter distintivo.

A direção de Eastwood, marcada por seu estilo clássico e direto, é eficiente, mas sem ousadias. O filme possui um visual impecável, com fotografia limpa e enquadramentos elegantes, mas falta um frescor que o distinga de seus trabalhos anteriores. O estilo antiquado — quase como um filme dos anos 1990 atualizado apenas pela qualidade técnica moderna — confere à obra um tom ligeiramente brega, algo que é característico de Eastwood, mas que aqui parece mais um traço de desgaste do que uma escolha estilística.

A trilha sonora é outro ponto fraco. Quase inexistente, sua ausência não cria o silêncio reflexivo almejado, mas sim um vazio que diminui o impacto emocional das cenas. Essa escolha minimalista poderia ser poderosa se houvesse uma narrativa mais vigorosa para sustentá-la, mas no contexto do filme, acaba contribuindo para o ritmo lento.

O filme aborda questões relevantes sobre moralidade, culpa e justiça. Eastwood levanta dilemas sobre a falibilidade do sistema legal e a possibilidade de redenção pessoal, mas as respostas ficam pela superfície. A tensão do tribunal, que deveria ser o centro nervoso da trama, carece de energia e se dilui em cenas que parecem desconectadas ou pouco desenvolvidas.

Ainda assim, há momentos de brilho, especialmente nas interações entre Justin e outros jurados, que revelam preconceitos e interesses pessoais que influenciam suas decisões. Esses instantes trazem um realismo desconfortável, lembrando o impacto de clássicos como 12 Homens e uma Sentença, mas sem atingir a mesma profundidade ou intensidade.

Sendo este possivelmente o último filme de Eastwood, é impossível não refletir sobre seu legado. Jurado Nº 2 é um filme que, embora competente, não representa um clássico final digno de sua carreira. A obra reflete tanto suas qualidades como contador de histórias quanto as limitações de um diretor que, aos 93 anos, talvez não tenha mais a energia criativa para ousar.

Em última análise, Jurado Nº 2 é um bom filme, mas não um grande. Apesar de um enredo interessante e uma atuação excepcional de Nicholas Hoult, a direção antiquada e o roteiro superficial impedem que a obra alcance todo o seu potencial. Para os fãs de Clint Eastwood, é uma despedida que vale a pena conferir, mas que talvez deixe um gosto agridoce, muito mais pela promessa de sua última obra do que por sua execução propriamente dita.

dezembro 01, 2024

Piano de Família (2024)

 


Título original: The Piano Lesson
Direção: Malcolm Washington
Sinopse: A disputa entre um irmão e uma irmã por um piano herdado revela verdades sobre como o passado é interpretado e quem realmente tem o poder de definir o legado da família.


Piano de Família, dirigido por Malcolm Washington em sua estreia como cineasta, adapta a peça homônima de August Wilson, ambientada em Pittsburgh durante a Grande Depressão. A trama explora os conflitos familiares em torno de um piano herdado, cujas esculturas feitas por um ancestral escravizado simbolizam a história da família Charles. A premissa prometia, mas a execução não conseguiu corresponder.

O filme segue o núcleo familiar liderado por Doaker (Samuel L. Jackson), que tenta apaziguar o embate entre Berniece (Danielle Deadwyler) e Boy Willie (John David Washington) sobre o destino do piano. Embora o roteiro preserve o cerne de Wilson — temas como legado, identidade e luto —, ele tropeça em sua transposição para o cinema. O que era intenso e simbólico no teatro se arrasta na tela, esticando cada cena e diálogo além do necessário.

Os diálogos intermináveis, com pretensões de intensidade tarantinesca (personagens também isolados em uma sala, como se fosse Os Oito Odiados), acabam soando vazios e repetitivos. O filme parece querer emular o estilo de Tarantino, mas sem o humor, a tensão ou a dinâmica envolvente. A presença de Samuel L. Jackson — figura frequente em colaborações com Tarantino — reforça essa comparação, mas aqui ele parece desperdiçado. Sua atuação como o moderado Doaker carece de energia, e seu personagem se dilui em meio a discussões incessantes que não levam a lugar algum.

Enquanto críticos exaltaram a performance de John David Washington, sua atuação como Boy Willie soa mediana, incapaz de sustentar a complexidade emocional que o papel exige. Em contrapartida, Ray Fisher, no papel de Lymon, é quem realmente traz alguma nuance ao elenco, com um carisma que ilumina as poucas cenas que lhe são dedicadas. Danielle Deadwyler, como Berniece, entrega uma atuação exagerada, frequentemente gritando suas falas de maneira que prejudica a credibilidade de sua personagem.

O filme comete seu maior equívoco ao incluir elementos sobrenaturais na narrativa. A tensão dramática em torno do piano, já enfraquecida pela repetição, dá lugar a sequências que flertam com o horror de forma desajeitada. A transição abrupta do drama para o surreal é desconexa e transforma um filme já problemático em algo risível. O piano, que deveria simbolizar uma herança carregada de significado, torna-se o foco de cenas exageradas e sem impacto emocional.

Malcolm Washington demonstra potencial técnico em algumas escolhas visuais, mas a inexperiência transparece. Longas tomadas no interior da casa dos Charles buscam criar intimidade, mas acabam sublinhando o ritmo tedioso da narrativa. A trilha sonora, composta por Terence Blanchard, é subutilizada, sendo incapaz de evocar a atmosfera que o filme tanto almeja.

A fotografia, que alterna entre tons quentes e sombrios, parece querer enfatizar o peso do passado e os conflitos presentes, mas não compensa a falta de dinamismo nas cenas. Além disso, o design de produção, embora fiel à época, não apresenta nada memorável.

Com mais de duas horas, Piano de Família exige paciência. Sua tentativa de mesclar drama familiar com elementos sobrenaturais resulta em uma obra que se arrasta e, ao final, desmorona. Para um filme centrado em um piano carregado de significado histórico, Piano de Família desafina em quase todas as notas. É um esforço frustrante que desperdiça um elenco talentoso e uma fonte rica de material.

Se Malcolm Washington buscava em sua estreia um impacto semelhante ao que outros diretores novatos conseguiram ao adaptar obras teatrais, o resultado ficou muito aquém. O longa não só falha em traduzir a intensidade do palco para o cinema, como também transforma um drama potencialmente envolvente em um exercício cansativo de paciência. O piano pode ser o coração da história, mas, aqui, ele desafina do início ao fim.