A adaptação cinematográfica de The Outrun, baseada no livro autobiográfico de Amy Liptrot, prometia ser uma das obras mais íntimas e sensíveis de 2024. Nora Fingscheidt, conhecida por seu trabalho em Transtorno Explosivo, assume a direção dessa história sobre vícios, traumas e a busca pela reconexão. No entanto, enquanto o cenário deslumbrante das ilhas Orkney entrega beleza e solidão em igual medida, o filme tropeça em sua narrativa desordenada e falta de profundidade emocional, deixando o público desconectado de sua protagonista.
Saoirse Ronan interpreta Rona, uma jovem em recuperação após anos de alcoolismo, que retorna à sua terra natal para se curar. Desde o começo, a presença de Ronan é o centro do filme. Conhecida por papéis icônicos em Lady Bird e Adoráveis Mulheres, ela traz nuances à sua interpretação: um equilíbrio entre vulnerabilidade e força. No entanto, mesmo sua dedicação ao papel não consegue superar as limitações do roteiro. O entusiasmo pela atuação de Ronan, especialmente a especulação em torno de uma possível indicação ao Oscar, parece desproporcional. Embora sua performance seja competente, ela não oferece o impacto transformador necessário para compensar as falhas estruturais do filme.
A relação entre Rona e os demais personagens é superficial, o que prejudica a narrativa. Os coadjuvantes, como Paapa Essiedu, no papel de Daynin, e Stephen Dillane, como o pai de Rona, são relegados a figuras de apoio sem qualquer desenvolvimento significativo. Isso não só limita a possibilidade de empatia com eles, mas também enfraquece os próprios dilemas emocionais da protagonista. O resultado é uma história que parece isolada em si mesma, assim como a ilha Papay, um dos cenários mais remotos do filme.
A maior fraqueza de The Outrun reside na sua narrativa. Optando por um formato não linear, o filme alterna entre o presente de Rona nas ilhas Orkney e seus anos turbulentos em Londres. Essa estrutura poderia ser uma escolha artística interessante, mas a execução é confusa e carece de coesão. Fingscheidt utiliza a cor do cabelo de Rona como um marcador visual para distinguir os períodos temporais: azul para o caos e loiro para a busca de redenção. Essa decisão, embora criativa, não é suficiente para evitar a confusão narrativa. Em vez de enriquecer a história, ela torna a experiência frustrante, especialmente para um público que precisa decifrar constantemente onde e quando os eventos estão acontecendo.
Adicionalmente, o ritmo do filme é um desafio. Longas tomadas de Rona contemplando a paisagem ou refletindo sobre sua dor são repetitivas e enfraquecem a progressão da história. Enquanto a solidão é um tema central, a repetição exaustiva das mesmas cenas (como Rona olhando para o mar ou andando pelos penhascos) dilui o impacto emocional. O filme parece se alongar desnecessariamente, especialmente em seu último ato, que carece de propósito narrativo.
Filmado nas ilhas Orkney, o filme oferece um banquete visual: os penhascos escarpados, as praias solitárias e o mar cinzento capturam perfeitamente a solidão e o isolamento que definem a jornada de Rona. No entanto, a estética lembra outras produções com ambientação semelhante, como filmes islandeses ou dramas nórdicos. Embora visualmente deslumbrante, The Outrun não apresenta uma identidade única, dependendo demais de clichês já associados a paisagens remotas e melancólicas.
A trilha sonora, composta por temas minimalistas e etéreos, segue a mesma linha. Inspirada pelas trilhas sonoras islandesas populares em filmes que exploram a solidão e a introspecção, a música reforça a ambientação, mas não consegue trazer frescor à experiência. Em vez de complementar as emoções de Rona, a trilha se torna previsível e formulaica.
Embora The Outrun enfrente desafios significativos em sua execução, os temas abordados são relevantes. O vício, a reconciliação com o passado e a luta pela identidade são tratados com sensibilidade, ainda que de forma inconsistente. Rona busca não apenas superar o alcoolismo, mas também compreender como seu ambiente e as relações familiares moldaram sua trajetória. A metáfora entre ela e a paisagem isolada das Orkney é clara, mas o filme não a desenvolve suficientemente para criar um impacto duradouro.
The Outrun tenta explorar os cantos mais profundos da alma humana, mas se perde em sua abordagem fragmentada. Apesar do esforço de Saoirse Ronan para dar vida a Rona, o filme falha em envolver o espectador emocionalmente, deixando uma sensação de distância e frustração. Com uma narrativa confusa, personagens coadjuvantes irrelevantes e uma trilha sonora previsível, a produção carece do impacto emocional que prometia.
No final, The Outrun é um lembrete de que nem mesmo os cenários mais deslumbrantes ou uma atriz talentosa podem sustentar uma história sem alma. Assim como Rona se sente desconectada do mundo, o público se sente desconectado de sua história. E, para um filme que deveria ser uma jornada de cura e redenção, esse é um problema que não pode ser ignorado.
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