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novembro 09, 2024

Saudade Fez Morada Aqui Dentro (2023)

 


Título original: Saudade Fez Morada Aqui Dentro
Direção: Haroldo Borges
Sinopse: Bruno tem 15 anos e está perdendo a visão de forma irreversível. Com todas as incertezas da adolescência, amplificadas pela cegueira iminente, a história converte o destino de seu protagonista em um relato de aprendizagem coletivo.


Saudade Fez Morada Aqui Dentro, de Haroldo Borges, é um filme que se arrasta por entre os tempos e espaços de um interior brasileiro, onde a simplicidade da vida rural é contrabalançada pelos dilemas da adolescência e das limitações impostas pela condição física de seu protagonista, Bruno. A película, com suas intenções dramáticas e um forte desejo de capturar a intimidade dos personagens, revela-se uma obra complexa e, por vezes, decepcionante.

A escolha estética de Borges, marcada pela câmera na mão, é uma tentativa de criar uma sensação de proximidade com os personagens. Em certos momentos, a câmera, com seus planos fechados e foco curto, remete a um estilo quase documental, como se quisesse captar as emoções mais sutis, porém não explora adequadamente o contexto social e físico dos personagens. A tensão de uma vida rural pobre e limitada é constantemente evadida pela câmera, que parece mais interessada nos gestos e olhares íntimos do que na narrativa social ou geopolítica que poderia dar um pano de fundo mais interessante ao filme. Essa escolha técnica, ao contrário de aproximar, acaba afastando o espectador da realidade mais ampla e mais urgente da trama. A ideia de que o filme poderia ser um documentário, no entanto, não se concretiza, visto que o filme não busca realmente entender o que está por trás de seus personagens, mas sim se concentrar na superficialidade de seus dilemas pessoais. Em muitos momentos, o ritmo arrastado e a falta de desenvolvimento da narrativa geram uma sensação de vácuo.

É possível perceber que Saudade Fez Morada Aqui Dentro poderia ser um excelente curta-metragem. A história, que gira em torno de Bruno (Bruno Jefferson), um jovem diagnosticado com cegueira iminente, e seu relacionamento com a cidade e com sua família, poderia ser condensada em menos de uma hora, oferecendo um tratamento mais enxuto e eficiente dos temas. Isso não diminui o valor do material, mas sim destaca a necessidade de um olhar mais preciso sobre o que realmente importa na história.

Entretanto, a grande surpresa do filme reside em suas atuações. Bruno Jefferson e Ronnaldy Gomes, que interpretam os dois meninos protagonistas, entregam performances excepcionais. Eles são os pilares que sustentam a obra, com uma química natural que torna seus diálogos e interações algo genuíno e comovente. A forma como os dois lidam com a tensão emocional e a complexidade de seus personagens, especialmente o relacionamento entre os irmãos, é um dos poucos aspectos do filme que realmente funcionam.

No entanto, um grande obstáculo do filme é a total ausência de trilha sonora. A opção de não incluir música para realçar os momentos dramáticos deixa um vazio incômodo, tornando os diálogos e as cenas carregadas de um silêncio desconcertante. Embora isso possa ter sido uma tentativa de acentuar a solidão e a introspecção dos personagens, o efeito acaba sendo mais negativo do que positivo. A ausência de trilha sonora não intensifica as emoções de forma eficaz; ao contrário, contribui para uma sensação de desolamento que, no contexto da narrativa, poderia ser mais bem explorada com um acompanhamento musical sutil.

O filme também tenta desviar de certos clichês do gênero de filmes sobre a juventude ao abordar temas como a homofobia de maneira não superficial. Bruno, ao lidar com boatos sobre a sexualidade de sua amiga, revela nuances de sua personalidade e da cultura machista do lugar onde vive, oferecendo uma visão mais complexa de sua jornada emocional. Essa tentativa de subverter as expectativas do espectador é um dos pontos mais interessantes da obra, mas ainda assim fica aquém de sua realização devido à falta de profundidade na construção do enredo.

No final, Saudade Fez Morada Aqui Dentro não é um desastre completo, mas é uma tentativa de algo mais profundo que não se concretiza. A busca pela intimidade e pela emoção falha em manter o espectador cativado, deixando uma impressão de um filme que poderia ter sido mais.

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