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novembro 05, 2024

Rivais (2024)

 



Título original: Challengers
Direção: Luca Guadagnino
Sinopse: Tashi Duncan, atleta prodígio do tênis que se tornou treinadora, é uma força da natureza que não pede desculpas por seu jogo dentro e fora da quadra. Casada com um campeão que tem acumulado apenas derrotas nos últimos jogos, a estratégia de Tashi para a redenção de seu marido toma um rumo surpreendente quando ele deve enfrentar o fracassado Patrick nas quadras. Patrick foi o melhor amigo de seu marido, e é ex-namorado de Tashi. Quando o passado e o presente entram em colisão, e as tensões aumentam, Tashi deve se perguntar qual será o custo dessa vitória.


Rivais é uma obra peculiar e ambiciosa de Luca Guadagnino, que explora as tensões emocionais e físicas de um triângulo amoroso ambientado no competitivo mundo do tênis. A trama gira em torno de Tashi (Zendaya), uma ex-estrela do tênis que, ao se ver impossibilitada de competir devido a uma lesão, se torna treinadora e esposa de Art (Mike Faist). A relação do casal complica-se ainda mais com a entrada de Patrick (Josh O’Connor), antigo amigo e amante de Tashi, trazendo à tona uma rivalidade marcada por ressentimento e desejo. A narrativa se constrói sobre esse conflito, alternando entre o passado e o presente, com flashbacks revelando as camadas emocionais dos personagens ao longo dos anos. Este é um filme que, ao mesmo tempo em que exala uma intensidade febril, desafia o público com seu ritmo ora eletrizante, ora lento, oferecendo uma experiência que oscila entre o cativante e o frustrante.

Guadagnino traz sua assinatura visual inconfundível e senso estético ao filme, mas Rivais se destaca por ser uma verdadeira montanha-russa, como se dirigido por dois diretores diferentes. No começo, o filme é feroz e impactante, com sequências que estabelecem de imediato a intensidade da história e das relações entre os personagens. A tensão sexual e o jogo psicológico entre Tashi, Art e Patrick são introduzidos com cenas eletrizantes, muitas vezes filmadas de forma íntima e detalhada, quase colocando o espectador dentro das quadras ou dos quartos. O impacto visual desses momentos é evidente, e Guadagnino utiliza uma técnica de câmera ousada, que valoriza o movimento e a fisicalidade dos personagens, especialmente nas cenas de tênis, onde a energia e o foco são quase palpáveis​.

Contudo, essa mesma intensidade inicial cede lugar a um ritmo mais lento em certas partes do filme, especialmente nas cenas de diálogos longos e introspectivos, que podem testar a paciência de alguns espectadores. É como se o filme alternasse entre picos de energia e momentos de estagnação narrativa, uma estrutura que desafia o público a acompanhar essa variação de ritmos. Este contraste abrupto de cadências faz o filme parecer dividido entre o impulso de ser uma narrativa ágil e a vontade de aprofundar-se no drama emocional dos personagens, uma oscilação que, embora estilisticamente interessante, compromete a coesão da experiência. A longa duração de Rivais (mais de duas horas) intensifica essa sensação, sugerindo que o roteiro poderia ter sido condensado para manter o ritmo, talvez reduzido para algo entre 90 e 100 minutos, o que traria mais fluidez à história​.

Zendaya, que interpreta a complexa Tashi, tem aqui uma oportunidade de explorar uma personagem multifacetada e psicologicamente intensa. Porém, sua performance divide opiniões. Muitos espectadores podem questionar o alarde em torno de sua atuação, pois, embora sua presença magnética funcione bem em alguns momentos, sua interpretação peca por uma falta de expressividade emocional. Em cenas que exigem intensidade, Zendaya muitas vezes parece travada, com uma expressão que varia pouco, tornando difícil acreditar nas nuances de sua personagem. Essa falta de variação emocional pode dificultar a conexão do público com sua jornada pessoal e com os dilemas internos que Tashi enfrenta​.

Em contraste, Mike Faist e Josh O’Connor entregam atuações marcantes e genuínas. Faist, como Art, consegue trazer uma evolução clara ao personagem: seu comportamento e expressões faciais transformam-se ao longo do tempo, de um jovem confiante e cheio de esperança a um homem desgastado, com a dureza de quem viveu experiências dolorosas. Josh O’Connor, no papel de Patrick, também desenvolve um arco interessante, começando como uma figura alegre e espontânea e terminando como um rival exausto e emocionalmente abalado. A química entre Faist e O’Connor é palpável, e ambos conseguem imprimir em seus personagens uma carga emocional autêntica, explorando as fragilidades e os ressentimentos que surgem ao longo dos anos.

A edição é um dos pontos altos de Rivais, especialmente nas cenas de tênis, onde o trabalho de cortes rápidos e ângulos estratégicos cria uma experiência quase visceral. A montagem dessas partidas é dinâmica e precisa, acompanhando o ritmo frenético dos jogos e aumentando a tensão com cortes que enfatizam o esforço físico e o cansaço dos jogadores. É uma edição que não apenas reflete a intensidade dos confrontos, mas também intensifica a percepção do espectador sobre as rivalidades em jogo. Guadagnino e sua equipe fazem um uso magistral dos ângulos e dos tempos de corte para transmitir a exaustão e a agressividade das partidas, ao ponto de quase transformar o tênis em um personagem do filme​.

Além disso, a trilha sonora composta por Trent Reznor e Atticus Ross é um dos grandes destaques. Conhecidos por suas composições atmosféricas e envolventes, Reznor e Ross criam um ambiente sonoro que complementa perfeitamente a tensão e o drama do filme. A música acompanha os altos e baixos emocionais dos personagens, acentuando momentos de silêncio e introspecção e destacando as cenas de maior conflito. A combinação entre a trilha sonora e os efeitos de som — que capturam desde os impactos das raquetes até o som abafado dos passos — cria uma atmosfera imersiva que coloca o espectador no centro da ação.

O design de som é igualmente impressionante, com uma atenção aos detalhes que enriquece a experiência audiovisual. A mixagem de som é tão precisa que se tem a sensação de estar em uma partida real, ouvindo cada detalhe dos movimentos dos jogadores. Essa engenharia de som envolvente transforma as partidas de tênis em cenas que vão além do simples esporte, tornando-se quase metáforas para os confrontos emocionais entre os personagens. É um trabalho de som que merece destaque e que ajuda a elevar o filme, colocando-o entre as produções mais bem realizadas tecnicamente deste ano​.

O roteiro de Rivais, escrito por Justin Kuritzkes, é ambicioso em sua tentativa de aprofundar as complexidades emocionais dos personagens e de explorar temas como o ego, a competição e o desejo. A narrativa é estruturada de forma a misturar o passado e o presente, alternando entre os primeiros dias da relação entre Tashi, Art e Patrick e os desdobramentos do relacionamento quando todos estão mais velhos e emocionalmente desgastados. Essa estrutura fragmentada, embora interessante, acaba sendo prejudicada pela falta de coesão em algumas partes, que parecem mais preenchimento do que realmente essenciais para a trama.

A ambição do roteiro é louvável, mas a falta de um ritmo consistente e as transições abruptas entre cenas de alta intensidade e momentos introspectivos podem criar uma sensação de irregularidade. É como se o roteiro estivesse dividido entre ser uma narrativa de tensão romântica e uma análise profunda dos traumas e da competição que corroem os personagens. Essa dualidade faz com que o filme oscile entre ser uma história de rivalidade esportiva e uma análise psicológica, sem se comprometer inteiramente com nenhum dos dois​.

Rivais é um filme que, apesar de suas falhas, traz muitos elementos dignos de apreciação. A direção ousada de Guadagnino, a cinematografia de Mukdeeprom, a trilha envolvente de Reznor e Ross, e o design de som são aspectos que elevam a experiência cinematográfica, tornando o filme um espetáculo técnico. Contudo, a falta de coesão no ritmo e a performance limitada de Zendaya comprometem a profundidade emocional da trama, fazendo com que o filme pareça dividido entre suas intenções e sua execução.

Se Guadagnino tivesse optado por um estilo mais conciso e focado, talvez o filme pudesse atingir todo o seu potencial. Rivais oferece momentos de grande impacto e um visual atraente, mas se perde em sua própria ambição de ser mais do que uma história de rivalidade amorosa. É um filme que deixa o público com a sensação de que, embora tenha alcançado grandes alturas em certos momentos, poderia ter sido ainda mais memorável se tivesse se comprometido com uma narrativa mais equilibrada e menos fragmentada.

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