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novembro 02, 2024

O Som do Silêncio (2020)

 


Título original: Sound of Metal
Direção: Darius Marder
Sinopse: Um jovem baterista teme por seu futuro quando percebe que está gradualmente ficando surdo. Duas paixões estão em jogo: a música e sua namorada, que é integrante da mesma banda de heavy metal. Essa mudança drástica acarreta em muita tensão e angústia na vida do baterista, atormentado lentamente pelo silêncio.


O Som do Silêncio (Sound of Metal, 2020) exige uma dissecação atenta ao som, ao jogo de expressões e à mensagem central que Darius Marder e sua equipe tentam imprimir. O filme foca em Ruben (Riz Ahmed), um baterista que perde a audição de forma repentina e precisa aprender a viver em um mundo onde o som começa a lhe escapar. Em um primeiro olhar, temos aqui um filme que busca originalidade e sensibilidade, mas, sob uma observação mais crítica, há escolhas narrativas e de caracterização que destoam do enredo principal, o que acaba prejudicando a profundidade da narrativa.

Riz Ahmed é, de longe, o coração e o cérebro deste filme. Ruben, seu personagem, é denso, autêntico e se constrói na tela de maneira surpreendente, com uma atuação cheia de nuances que ressoam nos pequenos gestos, olhares e, principalmente, na relação emocional com a surdez e o abandono que sente diante de sua nova condição. Ahmed sabe trazer à tona a dor e o desespero de Ruben sem escorregar em uma teatralidade exasperada; ao contrário, é seu controle e sua sensibilidade que nos prendem à sua jornada. Ruben perde mais que sua audição; ele perde sua conexão com o que define sua identidade. A atuação de Ahmed é profunda e crível e entrega ao público uma jornada de transformação brutal e realista.

Se Riz Ahmed brilha com uma entrega completa, Olivia Cooke está, mais uma vez, envolta em sua habitual inexpressividade. Como Lou, sua parceira, Cooke aparece com uma entrega monocromática e sem alma, que nos faz questionar o porquê de sua presença em cenas cruciais. Em outras produções, como Bates Motel e A Casa do Dragão, Cooke também faz o que pode ser considerado uma interpretação mínima, sem complexidade nem magnetismo, o que novamente se reflete em O Som do Silêncio. Ela representa pouco ou quase nada da tensão, amor ou dor que sua personagem deveria sentir diante da perda auditiva do parceiro, o que acaba reduzindo sua importância no contexto do enredo e faz com que a relação entre Lou e Ruben careça de profundidade emocional. Sua presença parece supérflua, e é como se, ao seu lado, Riz Ahmed tivesse que carregar o peso dramático do filme sozinho.

No entanto, mesmo com algumas falhas no elenco, O Som do Silêncio encontra grandeza no seu design de som, um dos pontos mais fortes e inovadores da produção. O som é tratado como personagem e elemento narrativo, e a partir do momento em que Ruben começa a perder sua audição, o filme transforma o som em uma experiência subjetiva e envolvente para o espectador. A transição entre o som completo e o silêncio absoluto, passando por ruídos abafados e distorcidos, oferece uma imersão única e dolorosa, o que possibilita ao público sentir na pele o que Ruben experimenta. É um design de som impressionante e inédito, que não só complementa a narrativa, mas também a aprofunda, ao ponto de o silêncio e o barulho se tornarem o alicerce psicológico da trama. Essa escolha de narrativa sonora não é apenas uma escolha estética, mas uma decisão criativa que coloca o público na posição de Ruben, tornando-nos não só observadores, mas participantes.

Porém, é na representação da colônia de surdos que o filme dá uma guinada desconcertante e incômoda. Quando Ruben é levado para uma comunidade surda com filosofia própria e regras inflexíveis, percebe-se o tom panfletário que o filme busca imprimir, como se esse “orgulho surdo” fosse uma barreira superior à luta individual do personagem. Ruben é tratado com certa hostilidade, quase como um “desertor” quando decide explorar uma cirurgia para tentar recuperar a audição. Esse grupo, que inicialmente parecia acolhedor e protetor, assume uma postura rígida, recusando-se a aceitar que alguém em sua condição possa querer outra saída. Ao fazer essa escolha, o filme soa como um manifesto indireto que busca “ensinar” o espectador a aceitar a deficiência como algo a ser exaltado e não como algo a ser superado. Essa ênfase no “orgulho surdo” transforma o filme em um recado social quase opressor e politicamente correto ao extremo, o que soa excessivo e desnecessário. Como se, para Ruben, lutar pelo direito de ouvir novamente fosse uma afronta à identidade dessa comunidade. Há algo profundamente desconfortável e contraditório nessa imposição, como se qualquer tentativa de transcender essa realidade fosse uma traição à coletividade.

Esse tom panfletário não só incomoda, mas também desvia o filme de sua essência, transformando o processo de perda e adaptação de Ruben em um palco para um debate social excessivamente ideológico. Ao invés de uma exploração genuína da surdez e de suas implicações individuais, o filme acaba por pintar a minoria como um ideal a ser glorificado e protegido, passando uma mensagem de que aceitar a deficiência e abraçá-la é a única via correta. Esse tipo de abordagem, que vai além do necessário, politiza a história de uma maneira redundante e desvia a atenção da experiência real do protagonista, e transforma uma questão individual em uma missão coletiva, limitando a visão do espectador sobre a multiplicidade de caminhos e escolhas pessoais.

O Som do Silêncio tinha potencial para ser uma obra-prima no tratamento de temas como surdez e identidade pessoal, mas o filme tropeça em sua tentativa de exaltar uma única filosofia de aceitação e abraçar uma minoria de forma excessivamente panfletária. No entanto, a brilhante atuação de Riz Ahmed e o design de som inovador e envolvente não são suficientes para esconder a narrativa politizada que interrompe o fluxo natural da trama. Em suma, é um filme que tenta inovar e provocar, mas que, ao impor uma visão única e excluidora sobre a perda auditiva, termina por afastar o espectador de uma história que deveria ser universal, tornando-se uma experiência que, embora relevante e necessária, é comprometida por escolhas de abordagem e interpretação.

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