Scott Beck e Bryan Woods, conhecidos por seu trabalho em Um Lugar Silencioso (2018), retornam com Herege, um suspense de terror psicológico que se propõe a desafiar crenças religiosas por meio de uma narrativa claustrofóbica. O filme apresenta um conceito intrigante: duas jovens missionárias mórmons enfrentam um teste de fé ao ficarem presas no jogo mental de um anfitrião enigmático. Infelizmente, a execução não faz jus ao potencial, resultando em um filme frustrante e repleto de escolhas questionáveis.
A narrativa começa com Sister Paxton (Chloe East) e Sister Barnes (Sophie Thatcher) indo de porta em porta para espalhar os ensinamentos de sua fé. O tom inicial é promissor, abordando o ceticismo religioso em uma sociedade moderna. Quando as missionárias são convidadas por Mr. Reed (Hugh Grant) a se abrigarem em sua casa durante uma tempestade, a tensão é palpável. Reed, com seu charme e intelecto, logo vira o jogo contra elas, explorando suas crenças com argumentos cínicos e perspicazes, pontuados por referências culturais inesperadas, como Voltaire, Monopoly e até Lana Del Rey.
No entanto, o roteiro falha em desenvolver os dilemas apresentados. A cena que mistura explicações sobre religiões com a metáfora do jogo de Banco Imobiliário é brilhante, insinuando um filme que poderia ser uma análise profunda da fé e do controle social. Mas, ao invés de explorar essas ideias, o filme se desvia para reviravoltas previsíveis e forçadas. O terceiro ato abandona completamente o suspense psicológico, descambando para absurdos que carecem de lógica e coerência, transformando o que poderia ser um thriller inteligente em uma experiência quase risível.
Uma das maiores falhas de Herege é a dependência de coincidências convenientes para avançar a trama. O exemplo mais gritante é o momento em que Sister Barnes precisa atravessar um labirinto para alcançar um ponto crítico da história. De maneira quase mágica, ela escolhe as quatro portas corretas consecutivamente, uma solução preguiçosa que destrói qualquer suspensão de descrença. Essa abordagem "redondinha" do roteiro é frustrante, especialmente em um filme que se pretende imprevisível e desafiador. O filme também tropeça ao tentar misturar terror e humor negro, resultando em um tom inconsistente que mina qualquer impacto emocional ou intelectual.
Se há algo digno de elogio em Herege, são os aspectos técnicos. A fotografia, com suas paletas sombrias e enquadramentos claustrofóbicos, cria uma atmosfera opressiva que combina bem com a premissa. O design de som também merece destaque, utilizando silêncios e ruídos para construir tensão de forma eficiente. No entanto, esses méritos técnicos são desperdiçados em uma narrativa que não oferece substância.
A atuação de Hugh Grant é outro ponto positivo. Seu Mr. Reed exala um charme sinistro, equilibrando carisma e ameaça de maneira envolvente. Grant utiliza sua experiência em papéis cômicos para adicionar camadas ao personagem, mas nem mesmo sua performance é capaz de salvar o filme. Chloe East e Sophie Thatcher fazem o possível com o material que lhes foi dado, mas seus personagens são subdesenvolvidos, reduzidos a arquétipos sem profundidade.
O envolvimento da A24, estúdio conhecido por sua abordagem artística e ousada no terror, adiciona um peso extra às expectativas. No entanto, como tem sido comum em muitas de suas produções, Herege se apoia mais em sua estética do que em sua substância. A estratégia de marketing vendeu o filme como uma obra provocativa e inovadora, mas o resultado final é genérico e frustrante. É difícil ignorar o padrão do estúdio de entregar filmes que prometem mais do que entregam, frequentemente sacrificando narrativa em favor de "momentos impactantes".
Herege tinha todos os elementos para ser um thriller memorável: uma premissa instigante, um elenco talentoso e uma produção tecnicamente impecável. No entanto, o filme falha em explorar suas próprias ideias, optando por soluções fáceis e clichês que subestimam a inteligência do público. Ao final, o que resta é uma obra que tenta ser provocativa, mas termina sendo esquecível.
Se a intenção de Beck e Woods era criar uma crítica contundente sobre religião e controle, eles perderam a oportunidade. E se a A24 esperava mais um sucesso cult, talvez seja hora de reavaliar suas escolhas narrativas. Afinal, filmes bonitos, mas vazios, só podem ir tão longe antes de esgotar a paciência do público.
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