Mohammad Rasoulof é um diretor que carrega a reputação de confrontar os regimes autoritários e de ser um dos nomes mais polêmicos do cinema iraniano contemporâneo. Em A Semente da Figueira Sagrada, ele apresenta uma trama que tenta explorar o impacto do fanatismo religioso em uma família iraniana e, por extensão, na sociedade. Contudo, o filme tropeça em sua própria ambição, oferecendo uma experiência que se arrasta por quase três horas, recheada de escolhas estéticas duvidosas e personagens que, ao invés de engajar, apenas irritam.
A narrativa acompanha Iman (Misagh Zare), um funcionário público que almeja se tornar juiz da Corte Revolucionária Islâmica, e sua família. Sua esposa, Najmeh (Soheila Golestani), é o retrato da conformidade: uma mulher que sacrifica suas opiniões para manter as aparências, enquanto suas duas filhas, Rezvan e Sana, encarnam a apatia da juventude contemporânea. As coisas começam a desmoronar quando eventos externos — como uma amiga ferida pela polícia e um incidente envolvendo a perda de uma arma — revelam a fragilidade das estruturas familiares e sociais que sustentam essa dinâmica.
Embora o filme pareça ter muito a dizer sobre repressão, paranoia e o papel das mulheres em uma sociedade patriarcal, suas mensagens são entregues de maneira panfletária. O uso extensivo de reels e stories do Instagram, mesclados a cenas documentais, interrompe o fluxo da narrativa, tornando-se cansativo e redundante. A ideia de usar esses recursos para criar um contraste entre a modernidade e o conservadorismo rígido do regime poderia ser interessante, mas aqui soa como um artifício forçado, mais preocupado em impressionar pela forma do que em fortalecer o conteúdo.
Visualmente, A Semente da Figueira Sagrada apresenta um contraste marcante: a atmosfera opressiva de Teerã é capturada com uma paleta fria e desbotada, enquanto as cenas na zona rural, onde a família tenta escapar de suas tensões, oferecem paisagens desoladas e fragmentadas. Essa dicotomia visual deveria enriquecer a narrativa, mas acaba sendo mais uma camada de monotonia devido à falta de dinamismo na direção de Rasoulof.
As escolhas estilísticas do diretor, como os longos planos sequenciais e a preferência por diálogos vagos e circulares, acabam diluindo o impacto emocional que certas cenas poderiam ter. Mesmo momentos de grande potencial dramático, como o confronto final entre Najmeh e Iman, são arrastados a ponto de perder a força.
Os personagens de A Semente da Figueira Sagrada são, em sua maioria, difíceis de suportar. Iman é a caricatura do pai autoritário, enquanto Najmeh demora tanto a reagir às opressões que, quando o faz, já não há empatia suficiente por ela. As filhas, por sua vez, simbolizam uma geração perdida no vácuo entre tradição e modernidade, mas seu comportamento amorfo e dependente de celulares irrita mais do que provoca reflexão. Quando as personagens finalmente tomam atitudes decisivas no terceiro ato, suas ações parecem desconectadas de tudo o que foi construído até então.
As atuações, embora competentes em transmitir a frieza e a repressão emocional, carecem de nuances que tornem os personagens mais acessíveis ao público. Misagh Zare e Soheila Golestani fazem o que podem com um roteiro que frequentemente os coloca em situações repetitivas e previsíveis.
Com quase três horas de duração, o filme é um teste de resistência para o espectador. Muitas cenas poderiam ter sido cortadas ou condensadas sem prejuízo para a narrativa, especialmente as que se prendem a detalhes desnecessários ou repetem temas já estabelecidos. É difícil não sentir que A Semente da Figueira Sagrada teria sido muito mais eficaz com metade da duração, algo próximo de 80 minutos.
Apesar de abordar temas importantes, como a repressão religiosa e a luta por emancipação feminina, o filme não consegue provocar o impacto emocional que se espera de uma obra desse calibre. A sensação predominante é de antipatia: antipatia pelos personagens, pela forma como os eventos se desenrolam e, principalmente, pela insistência em martelar as mesmas mensagens sem oferecer novas perspectivas.
A Semente da Figueira Sagrada tenta ser um retrato poderoso de uma sociedade em crise, mas acaba sendo uma experiência exasperante e desconectada. A combinação de escolhas estéticas equivocadas, narrativa arrastada e personagens pouco cativantes transforma o filme em uma maratona de cansaço. É difícil entender como uma obra tão carregada de falhas conseguiu alcançar qualquer consideração para o Oscar. No fim, o que fica é a vontade de que tudo acabe logo — tanto o filme quanto as intermináveis três horas de sua duração. Uma decepção monumental.
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