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novembro 06, 2024

A Flor do Buriti (2023)

 


Título original: Crowrã
Direção: Renée Nader Messora, João Salaviza
Sinopse: Em 1940, duas crianças do povo indígena Krahô encontram na escuridão da floresta um boi perigosamente perto da sua aldeia. Era o prenúncio de um violento massacre, perpetuado pelos fazendeiros da região. Em 1969, durante a Ditadura Militar, o Estado Brasileiro incita muitos dos sobreviventes a integrarem uma unidade militar. Hoje, diante de velhas e novas ameaças, os Krahô seguem caminhando sobre sua terra sangrada, reinventando diariamente as infinitas formas de resistência. 


A Flor do Buriti (2023), dirigido por Renée Nader Messora e João Salaviza, propõe uma abordagem original e profundamente introspectiva sobre a vida do povo indígena Krahô, que vive no cerrado brasileiro. O filme, uma coprodução entre Brasil e Portugal, constrói um relato que mistura a ficção e o documentário, uma característica comum no trabalho da dupla de diretores. Essa narrativa híbrida explora o passado, o presente e os desafios futuros enfrentados pelos Krahô, num registro quase todo falado no idioma krahô. Essa decisão é não só louvável por sua autenticidade cultural, mas também estabelece uma conexão direta com a própria identidade do povo retratado.

O título A Flor do Buriti faz referência ao buriti, uma palmeira característica do cerrado e um símbolo cultural dos Krahô. A flor do buriti é utilizada como um elemento metafórico no filme, representando a resistência e a vitalidade da comunidade. Embora o filme explore a resiliência dessa comunidade, ele também evoca traumas históricos, como o massacre dos Krahô por fazendeiros na década de 1940, uma memória que ecoa e se entrelaça na identidade dos personagens. Esse enredo nos leva a uma reflexão sobre a violência histórica e os impactos dessa herança sobre as gerações atuais​.

A direção de Messora e Salaviza é detalhada e imersiva, apresentando uma narrativa visual que imita o estilo documental, criando uma autenticidade inegável. A imersão dos diretores nas aldeias Krahô por mais de um ano permitiu uma representação fiel, sem intenções de glamourizar ou simplificar a experiência de vida desse povo. Esse tom documental funciona como um forte alicerce para o filme, trazendo uma seriedade e uma sobriedade adequadas ao tema. No entanto, essa escolha por um tom mais documental contribui também para o ritmo lento do filme. Com 123 minutos de duração, o filme se arrasta, exigindo bastante paciência do espectador, que é confrontado com longos momentos de contemplação e cenas prolongadas que buscam refletir o tempo do cerrado e da vida indígena. Esse ritmo, enquanto convida à contemplação, pode ser um empecilho para alguns, tornando a experiência cansativa​.

Além disso, a montagem de A Flor do Buriti se torna um dos pontos mais problemáticos da produção. A estrutura temporal confusa e a falta de marcos visuais claros deixam o espectador sem uma sensação clara de quando cada cena se passa, o que prejudica a narrativa. Embora alguns elementos sutis – como cédulas de cruzeiro e um cartão de identificação dos anos 1970 – tentem situar o espectador no tempo, eles são poucos e não suficientemente marcantes. Esse problema se agrava com a ausência de mudanças visíveis na aparência dos personagens e na paisagem, já que as cenas se desenrolam quase inteiramente em meio à floresta, sem sinais óbvios de passagem do tempo, o que dificulta ainda mais a compreensão do desenrolar dos eventos.

Apesar dos problemas de ritmo e montagem, o filme traz um mérito notável: a escolha de usar amplamente o idioma krahô, que reforça a autenticidade cultural da produção e a torna um poderoso tributo à língua e às tradições dessa comunidade. Os diálogos em krahô, além de honrar a língua, carregam nuances que não seriam capturadas da mesma forma em português. Esse recurso permite que o filme funcione como um registro de uma cultura ameaçada, um testemunho da riqueza e complexidade da língua e da identidade Krahô, estabelecendo um elo entre as gerações antigas e as novas​.

No geral, A Flor do Buriti representa um esforço significativo do cinema nacional para capturar a realidade de uma das comunidades indígenas brasileiras, e é uma proposta inovadora nesse sentido. Messora e Salaviza entregam uma obra visualmente densa e ideologicamente relevante, que exige do público um olhar atento e paciente. Embora seus problemas técnicos impeçam a fluidez narrativa, o filme se destaca pela profundidade do tema e pela coragem de apresentar uma realidade invisibilizada e complexa. É uma obra que, apesar de suas limitações, merece atenção pelo compromisso com a verdade e pela valorização da cultura indígena, mesmo que sua experiência cinematográfica nem sempre seja fácil de acompanhar.

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