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novembro 09, 2024

A Favorita (2018)

 


Título original: The Favourite
Direção: Yorgos Lanthimos
Sinopse: Na Inglaterra do século XVIII, Sarah Churchill, a Duquesa de Marlborough (Rachel Weisz) exerce sua influência na corte como confidente, conselheira e amante secreta da Rainha Ana (Olivia Colman). Seu posto privilegiado, no entanto, é ameaçado pela chegada de Abigail (Emma Stone), nova criada que logo se torna a queridinha da majestade e agarra com unhas e dentes a oportunidade única.


Yorgos Lanthimos sempre teve uma abordagem peculiar ao cinema, marcada por um estilo excêntrico e um humor ácido que atinge os limites do desconforto. Em A Favorita (The Favourite), ele se aventurou no terreno da comédia dramática histórica, buscando explorar os meandros da corte britânica do início do século XVIII. O que poderia ser um retrato divertido e ácido do jogo político e das relações de poder dentro da realeza, é, no entanto, um filme que, apesar de momentos brilhantes, acaba se perdendo por conta de escolhas de direção questionáveis e um excesso de firulas visuais que, em última instância, acabam prejudicando a experiência.

O que realmente se destaca em A Favorita, e de longe o que mantém o filme equilibrado, são as performances excepcionais de seu elenco. Olivia Colman, que interpreta a excêntrica Rainha Ana, brilha intensamente, entregando uma atuação de camadas profundas. Sua interpretação da monarca fragilizada, emocionalmente instável, e ao mesmo tempo estrategicamente manipuladora, é sem dúvida o grande trunfo do filme. Colman transmite uma humanidade impressionante, em meio à arrogância e loucura de sua personagem, e é impossível desviar o olhar enquanto ela toma a tela com uma mistura de vulnerabilidade e poder.

Mas Colman não está sozinha nessa grandiosa exibição de talento. Rachel Weisz, que interpreta a ambiciosa Lady Sarah Churchill, nunca envelhece, e aqui, mais uma vez, oferece uma atuação impecável. Sua química com Colman é fantástica, especialmente no jogo de poder e manipulação que elas travam, quase como duas peças de um xadrez emocional. Emma Stone, por sua vez, traz uma sensualidade fria e traiçoeira como Abigail Hill, a terceira peça nesse triângulo de ambição e manipulação. Stone, sempre talentosa, surpreende ao dar vida a uma personagem que, à primeira vista, poderia ser uma caricatura, mas que ela constrói com uma certa dignidade e um leve tom de melancolia.

Os homens, no entanto, são uma comédia à parte. Em A Favorita, não há espaço para figuras masculinas que não sejam reduzidas a estereótipos de tolos, ou pior, de retardados. O papel de Nicholas Hoult, como o egocêntrico e volúvel Robert Harley, é um dos maiores exemplos dessa caracterização. Sua atuação, embora em um papel cômico, é sensacional, conseguindo equilibrar o ridículo com um toque de humanização que jamais o torna apenas uma piada. A cariação de Hoult é precisa, como se o ator soubesse exatamente onde colocar cada exagero para fazer seu personagem funcionar dentro do tom do filme. Ele é, sem dúvida, um dos grandes responsáveis por trazer um alívio cômico necessário à narrativa, e sua performance, ao lado das de Weisz e Stone, forma o pilar que mantém A Favorita de pé.

Falando do roteiro, é impossível não destacar as tiradas de humor extremamente afiadadas que permeiam o filme. Lanthimos e seu roteirista, Tony McNamara, criam uma dinâmica entre as personagens que flutua com uma montanha-russa emocional. O humor, muitas vezes negro, é instantaneamente cortado por momentos de dor, solidão e decepção. A transição de risos para silêncios constrangedores é feita com uma precisão impressionante, e a mistura de comicidade e tragédia parece refletir a verdadeira natureza de um jogo político tão implacável quanto o da corte britânica do período.

Contudo, o que poderia ter sido uma experiência cinematográfica realmente memorável é ofuscado pela direção excessivamente estilizada de Lanthimos. Desde o início, o filme se perde na busca por uma estética moderna que não serve ao propósito da história. Lanthimos parece se inspirar em Maria Antonieta (2006), de Sofia Coppola, e na tentativa de se distanciar da típica cinematografia histórica, ele insere uma série de firulas visuais que, embora ousadas, acabam mais atrapalhando do que acrescentando. A fotografia é saturada de lentes grande angulares, que dão uma sensação desconfortável e excessivamente estilizada às cenas. Essas lentes, frequentemente usadas para capturar os rostos das personagens de forma distorcida, criam uma espécie de desconexão com a realidade da época e do cenário, afastando o espectador da imersão desejada.

Além disso, os tilts de câmera em 360 graus e os enquadramentos atípicos parecem mais um artifício visual para chocar do que uma escolha narrativa que realmente acrescentasse à trama. O uso dessas técnicas, que se distanciam do convencional, pode ser visto como uma tentativa de modernizar o gênero, mas, sem o suporte de um roteiro subversivo como o de Maria Antonieta, essas escolhas acabam ficando vazias e artificiais. Em alguns momentos, Lanthimos parece estar mais preocupado com sua estética visual do que com a construção das relações interpessoais e do desenvolvimento da história. A direção aqui, de fato, prejudica o material que tinha em mãos, transformando o filme em algo que se perde em sua própria complexidade visual, quando deveria ser mais focado no conteúdo humano e nas dinâmicas de poder entre suas personagens.

A montagem também é um ponto delicado. Embora o filme tenha uma cadência própria, por vezes as transições entre cenas são abruptas, e a fluidez da narrativa é interrompida por escolhas editoriais que não contribuem para o ritmo da história. Lanthimos parece querer criar um senso de desconforto contínuo, mas, ao invés disso, ele acaba criando um distanciamento emocional, que nos impede de nos conectar com a profundidade da trama.

Em resumo, A Favorita é um filme que brilha, mas apenas parcialmente. O que poderia ser um retrato afiado e vibrante da realeza inglesa se transforma, nas mãos de Lanthimos, em uma obra que se perde em seu próprio excesso visual e estilístico. As atuações excepcionais, com destaque para Olivia Colman, Rachel Weisz e Emma Stone, são os verdadeiros pontos altos, enquanto a direção e as escolhas visuais, longe de agregar ao filme, fazem com que o espectador se sinta desconectado da narrativa. Lanthimos, ao tentar ser moderno, acaba deixando para trás a força de seu enredo e o poder de seus personagens. E, no fim, o filme deixa uma sensação de que o que poderia ter sido uma grande obra, com mais equilíbrio, ficou apenas como uma promessa frustrada de uma história ainda mais impactante.

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