Dirigido por Coralie Fargeat, Vingança (Revenge, 2018) é uma obra cinematográfica que explode na tela com uma intensidade visual e sonora poucas vezes vista no cinema contemporâneo. Em seu longa de estreia, Fargeat entrega uma experiência visceral, frenética e esteticamente arrebatadora, transformando o clássico subgênero de “rape and revenge” em algo novo e profundamente estilizado. O filme é uma verdadeira obra-prima para fãs de gore e ação, sustentado por uma narrativa simples, mas executada com tanta energia e precisão técnica que se torna impossível desviar o olhar.
Desde os primeiros minutos, “Vingança” se impõe visualmente como uma obra de arte. As cores vibrantes dominam a tela, criando uma estética que mistura o absurdo e o surreal. O uso de cores saturadas — os vermelhos, azuis e amarelos brilhantes — não apenas ressaltam a violência explícita do filme, mas também dão um tom quase de videogame, criando um mundo exagerado onde a fisicalidade e a estilização andam de mãos dadas. Cada quadro parece ter sido meticulosamente composto para maximizar o impacto visual, como se estivéssemos assistindo a uma sequência de videoclipes.
A cinematografia, assinada por Robrecht Heyvaert, transforma o deserto em um campo de batalha pulsante. O cenário, árido e solitário, se contrapõe às cores exageradas que dominam o filme, criando uma tensão constante entre o belo e o grotesco. Esse contraste é vital para a experiência visual que Vingança proporciona, onde o sangue se mistura ao cenário de forma quase artística. A cada frame, é como se estivéssemos imersos em uma pintura de violência estilizada, onde a brutalidade se torna esteticamente hipnótica.
A trilha sonora, composta por Rob, é um dos maiores triunfos do filme. Ela não apenas acompanha a ação, mas a conduz, com batidas eletrônicas intensas que remetem ao melhor de Tron: O Legado. A música em Vingança faz o coração do espectador acelerar junto com o ritmo frenético da narrativa. Ela cria uma atmosfera envolvente, onde cada cena de perseguição ou confronto parece uma coreografia de violência ao som de sintetizadores pulsantes. O trabalho de Rob também evoca a intensidade dos filmes de Gaspar Noé, particularmente em Irreversível, onde a música eletrônica contribui para a criação de uma sensação de caos imersivo.
Ao longo de Vingança, a música desempenha um papel crucial em elevar a tensão, transformando momentos de pura violência em algo quase transcendental. As cenas de ação são amplificadas pela trilha, que se alinha perfeitamente com os cortes rápidos e a montagem acelerada, tornando a experiência cinematográfica ainda mais impactante.
A história de Vingança segue a clássica fórmula do subgênero “rape and revenge”, mas com um toque estilístico que o diferencia das obras mais tradicionais. A protagonista, Jen, é traída, violentada e deixada para morrer no deserto, mas renasce em uma sequência quase mitológica, transformando-se em uma força imparável de vingança. O que poderia ser uma simples narrativa de sobrevivência é elevado pela forma como Fargeat escolhe contar a história — com uma edição que não dá trégua ao espectador e uma estilização que flerta com o absurdo.
As cenas de violência são tão exageradas que beiram o impossível, e é exatamente aí que reside o charme de Vingança. As situações absurdas que a protagonista enfrenta e supera, como sobreviver a ferimentos fatais, são conduzidas com tamanha confiança que o espectador aceita o inverossímil sem questionar. Essas cenas são uma clara homenagem ao cinema de Tarantino, especialmente em Kill Bill, onde a vingança se torna uma saga sangrenta e estilizada, repleta de momentos de catarse. Em Vingança, a violência é gráfica e grotesca, mas nunca gratuita — é uma peça central da estética do filme, quase uma dança de sobrevivência e vingança.
Um dos aspectos mais marcantes do filme é sua edição ágil e dinâmica. As rápidas transições de cena, os cortes frenéticos e os close-ups intensos criam uma sensação de urgência constante, quase como se o filme estivesse sempre em movimento, sem tempo para o espectador respirar. Esse estilo de edição ressoa particularmente bem com a geração TikTok e Instagram, acostumada com conteúdos de alta intensidade e rápida absorção. Cada cena parece ter sido criada para capturar a atenção do espectador de maneira instantânea, o que confere a Vingança uma energia moderna e contemporânea.
Essa velocidade na montagem reflete a capacidade de Coralie Fargeat de criar um ritmo que, embora implacável, nunca parece apressado ou desleixado. O filme se desenrola com uma precisão cronometrada, onde cada cena tem um propósito claro, seja para avançar a narrativa ou para chocar e impressionar visualmente. A diretora consegue equilibrar o ritmo com momentos de pausa controlada, onde a tensão cresce até explodir em sequências de violência desenfreada.
Se Vingança é uma prévia do talento de Coralie Fargeat, então sua carreira promete ser uma das mais emocionantes do cinema contemporâneo. Sua habilidade de mesclar violência gráfica com uma narrativa estilizada e ritmo frenético é impressionante, e o filme parece um prenúncio do que ela entregaria em projetos futuros, como A Substância. Mesmo em seu longa de estreia, Fargeat demonstra um controle surpreendente sobre sua visão artística, trazendo uma sensibilidade única para um gênero que muitas vezes é criticado por sua brutalidade gratuita.
Comparado ao curta-metragem de estreia da diretora, Reality+, Vingança eleva ainda mais seu domínio sobre a linguagem cinematográfica, consolidando-a como uma voz inovadora. Já com esse filme, Fargeat deveria ter sido alçada à fama, pois o longa é tão bom quanto sua obra curta, mostrando uma cineasta capaz de contar histórias com intensidade e personalidade visual únicas.
Vingança é uma explosão de cores, sangue e energia que cativa o espectador do início ao fim. Com uma estética misturada com o melhor do gore, o filme oferece uma experiência visual e sonora visceral, sustentada por uma narrativa simples, mas poderosa. A trilha sonora, a cinematografia vibrante e a edição acelerada se combinam para criar um espetáculo de vingança estilizada, que agrada tanto os fãs de cinema de ação quanto os entusiastas do gore. Coralie Fargeat se estabelece como uma diretora em ascensão, e Vingança é um filme obrigatório para quem busca uma experiência cinematográfica intensa e inesquecível.
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