Direção: Walter Salles, Daniela Thomas
Sinopse: Sem perspectiva de vida no Brasil, Paco leva uma encomenda misteriosa para Portugal. Na terra estrangeira, ele conhece um casal e, juntos, se envolvem em um esquema de contrabando.
Terra Estrangeira, dirigido por Walter Salles e Daniela Thomas, foi lançado em 1996 e rapidamente entrou para o grupo de filmes considerados "clássicos modernos" do cinema nacional. Entretanto, a sua abordagem e a execução deixam muito a desejar, tornando essa obra um exemplo gritante de como o cinema brasileiro pode, às vezes, se concentrar em estereótipos negativos, caindo em uma narrativa que, em vez de enriquecer o espectador, o cansa com uma visão repetitiva e pessimista. Para mim, fã de uma boa análise social no cinema, Terra Estrangeira perde a chance de aprofundar temas e personagens, optando por um enredo que apenas reforça estereótipos e clichês já exaustivamente explorados.
A premissa do filme é potencialmente interessante: Paco, um jovem que sonha em escapar da vida sufocante no Brasil dos anos 1990, embarca em uma jornada para Portugal com a intenção de fugir do caos econômico brasileiro e construir uma vida melhor. No entanto, o filme nunca explora com profundidade as motivações desse personagem ou as dificuldades econômicas que, teoricamente, deveriam ser o fio condutor de sua partida. O Brasil dos anos 1990 enfrentava uma crise econômica esmagadora, com inflação galopante e instabilidade política, mas o filme falha em mostrar qualquer relação honesta entre essas questões e o desejo de fuga de Paco. Em vez disso, tudo é tratado superficialmente, como se a necessidade de partir fosse um capricho raso.
Ao focar em uma narrativa de fuga para "qualquer lugar que não seja o Brasil", Salles e Thomas perdem uma oportunidade valiosa de explorar o que realmente faz alguém querer sair do próprio país. Esse recorte gera um sentimento de desconexão com a realidade brasileira da época e, pior ainda, transforma o personagem principal em alguém desmotivado e apático, que simplesmente quer deixar o Brasil sem que saibamos o porquê de fato.
Aliado a isso, há uma insistência em retratar o brasileiro sempre sob uma luz desfavorável, o que me causa um certo desgosto. Salles parece ter uma visão incorrigível de que o problema do Brasil é o próprio brasileiro – como se nossa gente fosse intrinsecamente inclinada ao crime ou à corrupção, o que é uma visão preguiçosa e redutora. Esse tipo de representação negativa soa mal-intencionada e contribui para perpetuar uma visão estereotipada e antiquada. Seria pedir demais que o filme buscasse um retrato um pouco mais nuançado?
Walter Salles já me desagradou em outros filmes, e aqui não foi diferente. Para ser bem honesto, nunca fui fã de Central do Brasil, que também me parece um filme cansativo e focado em uma visão pessimista e pouco construtiva. Em Terra Estrangeira, a direção de Salles e Thomas se revela igualmente preguiçosa. A câmera tenta capturar uma estética realista, mas falha em transmitir qualquer profundidade. Os planos longos e os takes de câmera na mão, em vez de criarem uma imersão na história, acabam cansando o espectador, que se vê obrigado a acompanhar um ritmo lento e desinteressante.
A fotografia em preto e branco parece uma tentativa óbvia de tornar o filme "artístico", mas não se justifica em nenhum momento da trama. Ao invés de adicionar algum elemento significativo, o preto e branco reforça a monotonia da narrativa e passa a impressão de uma decisão estética gratuita e pouco inspirada. Se a ideia era retratar uma atmosfera melancólica e desesperançosa, o filme consegue, mas ao custo de alienar o espectador, que se vê diante de uma tela quase sem vida e sem cor, tanto literal quanto figurativamente.
Fernanda Torres, que já demonstrou ser uma atriz talentosa em diversas produções, tanto no cinema quanto na televisão, aqui está somente "ok", o que é, no mínimo, decepcionante. Ao contrário de suas performances na TV Globo, onde muitas vezes consegue trazer profundidade até para papéis pouco complexos, Torres parece aqui contida e sem brilho. Sua personagem, Alex, não transmite qualquer empatia ou desenvolvimento real ao longo do filme, o que contribui para a falta de conexão emocional com o público.
A relação entre Paco e Alex, que deveria ser o ponto emocional da narrativa, é rasa e sem química. O roteiro não permite que o casal evolua de forma interessante e acaba limitando a atuação de ambos, com diálogos que oscilam entre o clichê e o enfadonho. É frustrante ver como um elenco com potencial para grandes atuações é subutilizado em um filme que se leva a sério demais, mas não tem o conteúdo necessário para justificar essa pretensão.
Talvez o aspecto mais irritante de Terra Estrangeira seja a forma como retrata os brasileiros em Portugal. Em vez de explorar a rica experiência de imigração e a complexidade da vida de um brasileiro no exterior, o filme reforça a imagem dos brasileiros como marginais. Há uma série de personagens que são mostrados como bandidos e pessoas de má índole, o que, além de prejudicial, não reflete a realidade da imigração brasileira em Portugal.
Essa visão negativa e quase preconceituosa do brasileiro que vive no exterior sugere uma crítica implícita: a de que os próprios brasileiros seriam o "problema". Essa mensagem é não apenas injusta, mas também desrespeitosa com aqueles que, por questões econômicas e sociais, tentam construir uma vida em outros países. Ao fazer isso, o filme reforça estereótipos que pouco contribuem para uma visão humanizada dos imigrantes brasileiros.
Terra Estrangeira poderia ter sido um retrato poderoso das dificuldades e da angústia de ser um brasileiro na década de 1990, uma época marcada pela incerteza econômica e social. Poderia ter abordado com profundidade a crise econômica do país e explorado as motivações de Paco para buscar uma nova vida em Portugal. No entanto, o filme prefere se afundar em uma narrativa pessimista e desinteressante, que pouco se importa com a verdadeira experiência de um jovem tentando escapar do caos econômico de seu país.
Walter Salles, mais uma vez, entrega um filme cansativo e esteticamente pretensioso, sem oferecer qualquer recompensa emocional ao espectador. Fernanda Torres, que poderia ter dado alguma cor ao filme, aparece limitada por um roteiro fraco e mal construído. E, ao retratar os brasileiros de forma pejorativa, Terra Estrangeira deixa um gosto amargo, como se a única forma de contar uma história sobre o Brasil fosse por meio de uma ótica depreciativa.
No final das contas, Terra Estrangeira não apenas falha em ser um bom filme, mas também desperdiça uma oportunidade de mostrar a profundidade do povo brasileiro e suas reais dificuldades. Em vez de ser uma obra impactante, a produção se perde em estereótipos e em uma narrativa insossa, que dificilmente conquista o espectador.
Nenhum comentário:
Postar um comentário