Páginas

outubro 19, 2024

Sin City: A Dama Fatal (2014)

 


Título original: Sin City: A Dame to Kill For
Direção: Robert Rodriguez, Frank Miller
Sinopse: Dwight tem seu confronto final com a mulher dos seus sonhos e pesadelos, Ava. Ela consegue ler mentes e transforma-se exatamente no que os homens desejam. Repleta de mulheres fortes, anti-heróis e vilões cruéis, seus caminhos se cruzam pelas ruas e bares da cidade do pecado.


Sin City: A Dama Fatal (Sin City: A Dame to Kill For, 2014) é a sequência aguardada do icônico Sin City, de 2005, e promete uma imersão ainda mais sombria e estilizada nesse universo noir adaptado das graphic novels de Frank Miller. Dirigido pelo próprio Miller em parceria com Robert Rodriguez, o filme se esforça para manter a brutalidade gráfica e o estilo visual singular que marcaram o original. No entanto, ao explorar novamente os submundos sombrios de Basin City, essa segunda parte oscila em seu impacto, não conseguindo alcançar o brilho transgressor do primeiro filme.

Tecnicamente, o filme se destaca. A opção pelo preto e branco com inserções de cores vibrantes – vermelhos de batom e sangue, tons esverdeados em joias – reforça o universo gráfico de Miller, quase como uma página viva das HQs. A direção de fotografia, assinada por Robert Rodriguez e Jimmy Lindsey, captura perfeitamente essa atmosfera noir estilizada. Desde a arquitetura decadente até os becos escuros e as chuvas densas, o ambiente de Basin City é mais um personagem que respira violência e corrupção. A escolha estética do contraste extremo entre luz e sombra cria um efeito que prende o olhar, mas a narrativa parece depender excessivamente desse recurso visual para mascarar alguns de seus pontos fracos, especialmente no que diz respeito ao desenvolvimento da trama.

A história se divide em três arcos principais, com o segmento "A Dame to Kill For" como centro, onde Eva Green interpreta a femme fatale Ava Lord. Green é a encarnação perfeita da sedutora implacável, manipulando e destruindo homens sem qualquer remorso. Sua presença magnética é inegável, mas a personagem em si é construída de forma um tanto previsível e exagerada, encaixando-se no estereótipo da mulher fatal que, ainda que visualmente impactante, não evolui para algo realmente interessante. Sua motivação é simplista, e o arco, embora bem atuado, não atinge a profundidade emocional que poderia levar a narrativa a um nível mais cativante.

Joseph Gordon-Levitt, interpretando o ambicioso e talentoso Johnny, é um dos pontos altos do filme. Sua performance como o jogador de sorte que desafia figuras poderosas em Basin City traz uma carga emocional e intensidade genuínas, em contraste com alguns dos personagens mais caricatos ao redor. Gordon-Levitt consegue dar ao público uma performance que se equilibra entre a audácia e a vulnerabilidade, criando empatia em um universo onde a moralidade é, no mínimo, ambígua. Sua entrega é sincera e coloca Johnny como uma das figuras mais humanas em um cenário de extrema brutalidade. A trajetória de seu personagem oferece um vislumbre interessante das consequências de se tentar desafiar o poder em um ambiente onde a corrupção e a crueldade imperam.

O elenco é recheado de nomes de peso, como Mickey Rourke retornando como o implacável Marv, e Jessica Alba, que interpreta Nancy Callahan com uma nova camada de intensidade. Marv, com seu corpo descomunal e rosto marcado, continua a ser o anti-herói por excelência, e Rourke parece à vontade em sua pele – um bruto com um código de honra peculiar. Jessica Alba, por outro lado, busca mais profundidade em Nancy, agora atormentada pelo desejo de vingança, mas, infelizmente, o roteiro não lhe oferece material suficiente para explorar essa mudança de forma significativa. Mesmo com Alba tentando transmitir a dor e a frustração de sua personagem, o arco de Nancy parece forçado, dando a impressão de ser uma extensão desnecessária do primeiro filme.

A montagem, feita por Rodriguez, opta por uma estrutura entrelaçada que deveria funcionar como uma colcha de retalhos coerente, mas, em alguns momentos, peca pela falta de ritmo e pela repetição de elementos que já tinham sido explorados no original. Embora a montagem paralela seja uma ferramenta poderosa para dar ao filme um senso de continuidade e urgência, neste caso, a escolha parece fazer o filme girar em círculos, com menos impacto a cada novo segmento. Talvez uma abordagem mais linear tivesse permitido que os arcos se desenvolvessem com maior clareza, valorizando as atuações e os diálogos que, muitas vezes, parecem perdidos na estilização excessiva.

No quesito trilha sonora, o compositor Carl Thiel, junto com Rodriguez, traz uma composição atmosférica que complementa o universo noir da obra. Ainda que funcione como um pano de fundo tenso e adequado para as cenas, a trilha sonora acaba sendo um pouco redundante, reforçando elementos que já estão visíveis na tela sem acrescentar novas camadas à experiência. A sensação é de que a trilha, em vez de amplificar a intensidade emocional, recai sobre clichês, como os acordes de saxofone e guitarras pesadas, que acabam reforçando o clima genérico de uma obra que já foi mais ousada em sua primeira edição.

O roteiro, coescrito por Rodriguez e Miller, não escapa de ser um dos pontos problemáticos do filme. Embora siga a linha estilística e temática de Sin City, a profundidade narrativa é ofuscada pela obsessão em emular os mesmos elementos que garantiram o sucesso inicial. Aqui, a violência muitas vezes se torna repetitiva e despropositada, e a narrativa perde força na tentativa de chocar o público com o excesso. Falta uma reflexão mais elaborada sobre os temas de vingança, poder e corrupção, que poderiam ter sido abordados de maneira menos superficial, e essa carência de profundidade deixa o filme vazio em suas motivações.

No fim das contas, Sin City: A Dama Fatal deixa uma impressão dividida. De um lado, é visualmente impressionante e traz a performance sempre excelente de Joseph Gordon-Levitt, que injeta um realismo necessário em meio à estilização extrema. Por outro lado, a obra não consegue se desvencilhar da sombra do primeiro filme, e a narrativa limitada faz com que a sequência não tenha o mesmo peso transgressor que a original. O filme é um passeio visual que agrada aos olhos, mas falta a alma de uma história mais robusta para sustentar o peso da estilização. Como sequência, ele fica aquém do esperado, e, no fim, se perde na tentativa de ser mais do mesmo – só que com menos impacto.

Nenhum comentário:

Postar um comentário