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outubro 31, 2024

Silvio (2024)

 


Título original: Silvio
Direção: Marcelo Antunez
Sinopse: Além de felicidade, um baú também pode guardar muitos segredos. Baseado em fatos reais, Silvio Santos relembra sua história de vida e revela acontecimentos dos bastidores que nunca foram mostrados. Durante o sequestro que marcou o Brasil, o apresentador precisa lutar para proteger sua família e seu legado enquanto encara de frente um dos momentos mais desafiadores da sua vida.


O filme Silvio (2024), dirigido por Marcelo Antunez, tinha o potencial de ser um grande marco na cinematografia brasileira ao narrar um dos momentos mais tensos e pessoais da vida de Silvio Santos: o sequestro de sua filha e o drama que o próprio apresentador viveu ao ser mantido refém em sua própria casa. Entretanto, o resultado final foi, digamos, um "Show do Milhão" ao contrário, onde a cada cena sentimos que estamos perdendo pontos e tempo.

Primeiramente, a escalação de Rodrigo Faro para viver Silvio Santos foi, no mínimo, curiosa. Faro, conhecido principalmente como apresentador, tenta reproduzir os icônicos maneirismos de Silvio, mas acaba preso entre a caricatura e a tentativa de uma interpretação séria. A imitação de sua voz soa forçada e, em muitos momentos, até risível. Para um personagem com a complexidade e o carisma de Silvio Santos, seria esperado um ator capaz de transmitir as camadas que fizeram dele uma figura única no Brasil. Mas aqui temos Faro, que em todas as cenas parece mais um personagem de CGI dos anos 1990 do que o próprio "Peru Que Fala". A escolha gerou muita controvérsia, pois a atuação não passa a mesma autenticidade alcançada por José Rubens Chachá na série O Rei da TV, onde a caracterização e a profundidade interpretativa são mais convincentes​.

A narrativa tenta mesclar drama e comédia, mas fracassa na execução. O tom de humor surge em momentos totalmente inadequados, desconstruindo qualquer tentativa de tensão e parecendo mais uma paródia do que uma biografia. Em um dos momentos mais surreais, Silvio, já como refém, decide ligar para pedir ajuda e, em um esforço cômico mal calculado, a pessoa do outro lado não leva a sério que é "o verdadeiro Silvio Santos" pedindo socorro. Essa cena, mostrada inclusive no trailer, já aponta o tom catastrófico que permeia o filme. Momentos que poderiam ser profundos ou angustiantes são desconstruídos por piadas fora de contexto que mais desrespeitam o drama real da situação do que contribuem para a narrativa​.

Outro problema gritante está nos flashbacks, que são usados para tentar dar profundidade ao passado de Silvio Santos e mostrar um pouco de sua trajetória. Mas o que vemos são cenas curtas e mal elaboradas, que parecem mais uma colcha de retalhos de memórias do que um fio narrativo coeso. Esses "remendos" do passado de Silvio são acompanhados por uma trilha sonora genérica e monótona que pouco acrescenta e, pelo contrário, irrita ao invés de emocionar. Toda essa estrutura faz com que as cenas do passado de Silvio se tornem, na prática, quase irrelevantes para a construção de seu personagem no presente.

A falta de rigor histórico no filme é outro ponto de grande incômodo. O filme toma diversas liberdades que ultrapassam o limite do aceitável, criando uma versão distorcida da vida de Silvio Santos. Para começar, o relacionamento entre Silvio e Cidinha Abravanel, sua primeira esposa, é alterado. Cidinha, que na vida real era uma das secretárias do programa de auditório do apresentador, aparece no filme como filha de uma dona de pensão que Silvio conheceu durante um café da manhã. Já as divergências entre Silvio e sua filha Cintia Abravanel são exageradas, criando uma animosidade que simplesmente não existia. No filme, o ódio entre pai e filha é um dos pontos centrais da narrativa, mas na vida real eles tinham diferenças, sim, mas nada próximo do conflito retratado. Outro deslize imperdoável ocorre na representação da morte de Cidinha, que no filme é mostrada como uma tosse fulminante, enquanto, na realidade, ela lutou contra o câncer​.

Falando ainda dos aspectos técnicos, a direção de Antunez tenta ser inovadora, mas se perde em uma confusão de estilos e gêneros. O filme é vendido como um drama policial com toques de suspense, mas na prática ele não se encaixa em nenhum desses gêneros. O que temos é uma narrativa arrastada, onde nem a tensão do suspense policial nem o drama biográfico ganham espaço. É quase como se o filme não soubesse o que quer ser: em alguns momentos, tenta ser sério; em outros, insere humor como se fosse uma comédia; e em outros ainda, insere cenas dramáticas que soam vazias e artificiais. O resultado é um filme perdido, que não consegue transmitir o peso dos eventos que marcaram a vida do protagonista.

Se há uma escolha acertada no elenco, essa é a de Gustavo Machado no papel de Fernando Dutra Pinto, o sequestrador. Machado já havia interpretado o mesmo personagem na minissérie O Rei da TV e, embora o roteiro não colabore muito, ele consegue trazer uma certa profundidade ao papel, demonstrando o desespero e a frustração de seu personagem. Mas, mesmo com sua atuação competente, o roteiro limitado não permite que ele explore as nuances do sequestrador, tornando seu personagem unidimensional e previsível.

A ambientação e o cenário também são simplórios, com a maior parte da ação se passando dentro da casa de Silvio. Com um orçamento alto, esperava-se que o filme explorasse melhor a ambientação, mas parece que cada centavo foi usado para o cachê de Faro, já que o restante da produção é visualmente desinteressante. E, para coroar essa experiência cinematográfica desastrosa, o filme fecha com a emblemática frase de Silvio Santos (interpretado por Faro): "A palavra é a única coisa que nós temos". É difícil imaginar uma frase de efeito mais cafona para encerrar uma narrativa que não consegue decidir se quer glorificar ou detonar a vida de Silvio Santos.

No fim, Silvio é um espetáculo de mal-entendidos, desde o elenco até o roteiro, passando pela trilha sonora e a direção. A meia estrela que se pode dar ao filme fica pela comicidade involuntária, que ao menos nos arranca algumas risadas em momentos completamente inesperados. Agora é hora de tristeza, vamos fazer cara feia e chorar... Rodrigo Faro vem aí.

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