O curta-metragem Reality+ (2014), de Coralie Fargeat, é uma obra fascinante e profundamente crítica sobre a superficialidade moderna e a obsessão pela aparência, temas que a diretora viria a expandir em seu mais recente longa, A Substância (2024). Ambientado em uma Paris futurista e brilhante, o filme explora um mundo onde a tecnologia permite que as pessoas controlem sua imagem por meio de um chip que ajusta a aparência de cada um ao gosto do próprio usuário — um truque que só dura 12 horas e revela um perigo subjacente: a ilusão é temporária, e a volta à realidade é inevitável.
A direção de Fargeat é estupenda, com uma abordagem detalhada e visionária que, mesmo em pouco mais de 20 minutos, captura a essência do fascínio e do desconforto com a autoimagem e a percepção alheia. Esse curta funciona quase como um ensaio para A Substância, abordando a mesma temática da aparência idealizada e do custo de ser eternamente prisioneiro de padrões estéticos impostos pela sociedade. A originalidade do enredo é reforçada pelo fato de que a tecnologia central não transforma apenas a aparência, mas altera a forma como o usuário se enxerga e é visto, destacando como a superficialidade se torna um meio para definir valor pessoal e relações interpessoais.
O protagonista, Vincent (interpretado por Vincent Colombe), é a personificação dessa busca por perfeição: ansioso por melhorar sua aparência, ele acaba se tornando vítima das complexidades desse sistema visual perfeito. A narrativa é tão envolvente que deixa uma sensação de “quero mais”, como se cada nova cena pudesse ser o ponto de partida para uma exploração ainda mais profunda. Fargeat constrói esse universo com tanta riqueza de detalhes e intensidade que ele parece pulsar como um organismo vivo, sempre refletindo a cultura de aparências.
Além disso, o curta explora aspectos técnicos com impressionante competência, o que lhe rendeu diversos prêmios e elogios. A direção de arte e a fotografia criam uma atmosfera sedutora, mas inquietante, contrastando a beleza estéril da estética futurista com a fragilidade humana por trás das telas. Cada enquadramento, cuidadosamente elaborado, é um convite a questionar o que é autêntico e o que é construído, e a tecnologia presente na narrativa se revela não como uma libertação, mas como uma nova forma de aprisionamento.
Em síntese, Reality+ é mais que uma história sobre tecnologia: é um olhar afiado e original sobre as consequências da autoimagem e do culto à beleza, prenunciando com maestria as discussões mais profundas que Fargeat traria em A Substância. Este curta-metragem não apenas encanta e provoca, mas ainda reafirma o domínio técnico e a inventividade da diretora, consolidando-a como uma das vozes mais ousadas do cinema contemporâneo sci-fi.
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