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outubro 22, 2024

Moonage Daydream (2022)

 


Título original: Moonage Daydream
Direção: Brett Morgen
Sinopse: Contado através de imagens sublimes e caleidoscópicas, imagens de arquivo pessoal, performances inéditas e ancorado pela própria música e palavras de David Bowie, o filme convida o público a mergulhar no mundo único que é “Bowie”.


Moonage Daydream, dirigido por Brett Morgen, é mais do que um documentário sobre David Bowie; é uma celebração imersiva do artista como figura mitológica da cultura pop. Neste filme, Morgen não segue uma estrutura biográfica convencional. Em vez disso, ele cria um fluxo de imagens, sons e entrevistas, que parece nos transportar para a mente caleidoscópica de Bowie, buscando captar o impacto cultural, emocional e estético que ele gerou e ainda gera. Ao mergulhar na experiência de assistir a este filme, o público é convidado a abandonar expectativas e embarcar numa viagem psicodélica que, em muitos aspectos, ressoa com a complexidade do próprio Bowie.

Em Moonage Daydream, Morgen utiliza uma montagem experimental que costura imagens de shows, entrevistas, performances e cenas abstratas. A narrativa fragmentada que ele apresenta evita a linha cronológica convencional e aposta em uma estrutura que reflete a maneira não linear e multifacetada com que Bowie via o mundo e a si mesmo. A montagem reforça essa ideia: cenas de diferentes décadas se intercalam, dissolvem-se e se transformam em uma narrativa sensorial que não obedece ao tempo. Esse recurso dá ao filme um ritmo próprio, que mais parece uma sequência de sonhos, lembrando o fluxo de consciência — um movimento visual e auditivo que lembra as transformações constantes que Bowie passava como artista e como pessoa.

A montagem é cuidadosamente pensada para criar uma atmosfera psicodélica, evocando diretamente o rock dos anos 70 e 80 e o cenário alternativo da época. A abordagem de Morgen é desconcertante, mas eficaz: não há uma tentativa de entender Bowie por completo, mas sim de explorar seus fragmentos, suas camadas e personas. Em vez de respostas, o público encontra perguntas, como se o próprio Bowie fosse um enigma a ser desvendado. Morgen consegue capturar esse espírito, criando uma experiência que se assemelha a uma performance de arte ao invés de um documentário tradicional.

Visualmente, Moonage Daydream é um espetáculo. O filme utiliza uma paleta de cores saturada, intensificada por efeitos que lembram os videoclipes icônicos de Bowie e as apresentações ao vivo que marcaram sua carreira. A fotografia, repleta de sobreposições e transições lisérgicas, trabalha para levar o público a uma imersão que representa a própria essência visual de Bowie. Cenas de shows, vídeos de época, animações e experimentações visuais se misturam, criando uma sensação de constante mutação, evocando o estilo camaleônico pelo qual Bowie ficou famoso.

Cada cena é uma composição estética que reflete a capacidade de Bowie de se reinventar. Morgen recria a atmosfera visual das décadas de 70 e 80 com um toque moderno, mas que respeita a estética original do artista. Em vários momentos, o filme parece mais um vídeo-arte, onde formas e cores expressam emoções mais do que palavras poderiam. Essa abordagem se destaca especialmente em cenas que enfatizam a fase Ziggy Stardust, onde Bowie mescla o glam rock com elementos futuristas. A estética psicodélica também está presente, principalmente na forma como o diretor trabalha com luzes e sombras, realçando a teatralidade e o senso performático de Bowie.

A trilha sonora, composta pela música de Bowie, é o verdadeiro coração de Moonage Daydream. A sonorização do filme é tratada com um cuidado excepcional, criando uma experiência imersiva que faz o espectador sentir-se em um show ao vivo, especialmente em salas de cinema com som de alta qualidade. Cada música é cuidadosamente inserida para evocar emoções específicas e para sublinhar momentos-chave da narrativa visual. As músicas não apenas acompanham as imagens, mas dialogam com elas, criando uma narrativa complementar.

Além das canções, Morgen inclui declarações de Bowie ao longo do filme, o que serve como um fio condutor. Nessas falas, Bowie expõe reflexões sobre arte, vida, fama e morte, oferecendo ao espectador vislumbres do homem por trás da persona. Essa escolha traz uma intimidade inesperada ao filme, já que, mesmo sem pretender ser um retrato intimista, Moonage Daydream revela nuances da filosofia de vida do artista.

Brett Morgen não tenta "humanizar" David Bowie, e essa é uma das escolhas mais ousadas e bem-sucedidas do filme. Em vez de explorar as vulnerabilidades e fraquezas do artista, Morgen parece mais interessado em celebrar sua grandiosidade e mistério. Bowie surge como um mito, uma entidade que transcende definições simples, refletindo a multiplicidade de um artista que sempre foi maior do que a vida. Moonage Daydream é um tributo à persona pública, à figura que encantou e intrigou milhões de pessoas ao redor do mundo. A decisão de não expor a vida pessoal de Bowie intensifica essa aura mítica, oferecendo ao público uma visão do que ele representava, ao invés de quem ele era.

Moonage Daydream não é um documentário para todos. É uma obra para os fãs, para aqueles que estão dispostos a abrir mão de uma narrativa convencional e se deixar levar por uma experiência sensorial intensa. O filme celebra a essência de Bowie como um camaleão da cultura pop, capturando sua energia em um formato que desafia as convenções do cinema biográfico. Morgen cria uma experiência audiovisual que faz jus ao caráter vanguardista de Bowie, construindo um retrato que é tão complexo, enigmático e mutável quanto o próprio artista.

O filme de Morgen não busca responder todas as questões sobre Bowie, mas sim amplificar o mistério e a magia que ele trouxe ao mundo. Ao final, o público pode até sair com mais perguntas do que respostas, mas também com uma compreensão mais profunda do impacto de Bowie — uma figura cuja existência mudou o panorama cultural e que, por meio deste filme, continua a desafiar e inspirar.

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