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outubro 20, 2024

Häxan: A Feitiçaria Através dos Tempos (1922)

 


Título original: Häxan
Direção: Benjamin Christensen
Sinopse: O filme é uma mistura de documentário e ficção que explora a história da feitiçaria e as perseguições de bruxas na Idade Média. O filme combina encenações dramáticas e elementos expressionistas para criticar a ignorância e a misoginia da época. Através de rituais e histeria coletiva, provoca reflexões sobre os medos que moldaram a percepção da bruxaria.


Häxan: A Feitiçaria Através dos Tempos, dirigida por Benjamin Christensen, é uma obra que se destaca como um marco no cinema mudo e um estudo fascinante sobre a feitiçaria e a histeria coletiva que dominou a Europa durante a Idade Média. Lançado em 1922, o filme é uma mistura intrigante de documentário e ficção, que visa desmistificar a percepção negativa sobre as bruxas, ao mesmo tempo em que explora as consequências da superstição e da ignorância. Contudo, apesar de suas ambições e de alguns momentos esteticamente impressionantes, a obra não consegue manter a coesão narrativa necessária para uma experiência cinematográfica verdadeiramente envolvente.

O filme é dividido em várias seções, cada uma abordando diferentes aspectos da feitiçaria, desde a sua prática até a perseguição de bruxas. Christensen utiliza uma narrativa fragmentada que pode desorientar o espectador, pois, embora cada segmento tenha seu charme, a conexão entre eles não é sempre clara. A intenção de apresentar uma história abrangente sobre a feitiçaria acaba resultando em uma construção que parece mais um desfile de visões e alegorias do que uma trama coesa. O ritmo do filme é irregular, com longos trechos que se arrastam, o que pode tornar a experiência visual cansativa.

Visualmente, Häxan é um deleite para os olhos, com uma direção de arte que captura perfeitamente a atmosfera sombria e opressiva da época. Christensen emprega uma paleta de cores em preto e branco que, embora limitada, é explorada de maneira inovadora através de sombras e contrastes fortes. O uso de iluminação dramática e composições cuidadosas contribui para o tom sinistro do filme. As encenações de rituais de bruxaria, que incluem elementos expressionistas, são particularmente marcantes, e a encenação do satanismo é uma das mais memoráveis do cinema da época.

Os efeitos especiais, ainda que rudimentares pelos padrões contemporâneos, são uma realização impressionante para o período. As transições, manipulações de câmera e técnicas de montagem, como a sobreposição de imagens, ajudam a criar um senso de sobrenaturalidade que permeia a obra. No entanto, esses momentos estonteantes são intercalados com sequências que se arrastam, onde a narrativa se perde, tornando a experiência menos envolvente.

As atuações dos atores, especialmente a de Christensen, que também se apresenta como o “Diabo”, são notáveis por sua entrega física e expressiva, mesmo em um período sem o suporte do som. Contudo, a ausência de um desenvolvimento mais profundo dos personagens resulta em uma falta de empatia por parte do público. A figura da bruxa, representada de forma quase caricatural, perde a chance de ser uma crítica mais complexa ao estigma enfrentado por essas mulheres na sociedade. As bruxas são apresentadas como figuras temíveis, mas sua humanização é negligenciada, o que torna difícil para o espectador conectar-se emocionalmente com suas histórias.

O filme aborda temas de misoginia, superstição e as consequências devastadoras da ignorância. Christensen, em sua tentativa de refletir sobre a psicologia das massas, mostra como as crenças infundadas podem levar a uma histeria coletiva, resultando em perseguições cruéis. Essa mensagem continua a ressoar em contextos contemporâneos, onde a desinformação e a manipulação da opinião pública permanecem relevantes.

Contudo, a abordagem do diretor, que oscila entre a sátira e a seriedade, pode deixar o espectador confuso quanto à sua intenção. Em algumas cenas, a representação das bruxas e do satanismo parece quase jocosa, o que pode trivializar as questões sérias que o filme pretende abordar.

Häxan: A Feitiçaria Através dos Tempos é, sem dúvida, uma obra importante na história do cinema, oferecendo uma visão única sobre a feitiçaria e suas implicações sociais. Através de uma combinação de estética impressionante e temas provocativos, o filme conquista seu lugar como um clássico cult. Entretanto, a falta de uma narrativa coesa e o ritmo irregular prejudicam a experiência geral, tornando difícil para o espectador se envolver totalmente. Com suas falhas e suas qualidades, Häxan é um estudo de caso sobre como a arte pode ser tanto um veículo de crítica social quanto uma obra de estética perturbadora, mas que não consegue elevar-se totalmente devido às suas inconsistências narrativas e de caráter. A experiência é, portanto, uma montanha-russa visual que pode cativar alguns, mas deixar outros desejando mais coesão e profundidade.

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