Fome de Poder, dirigido por John Lee Hancock, narra a história fascinante – e moralmente ambígua – de Ray Kroc e sua jornada na criação do império McDonald's. No papel de Kroc, Michael Keaton traz à tela um personagem com determinação insaciável, e um olhar astuto sobre como o capitalismo pode tanto transformar como corromper. Ainda que o filme ofereça uma base sólida em termos de contexto histórico, parece tropeçar em alguns pontos essenciais, fazendo de Kroc um protagonista quase caricatural ao invés de uma figura complexa e multidimensional.
Visualmente, o filme captura bem a época em que se passa. A direção de arte faz um trabalho preciso ao recriar o ambiente americano dos anos 1950 e 1960, com suas cores vivas e tons pastel, que contribuem para um visual nostálgico. Esse efeito visual, porém, é mais uma fachada do que um reflexo da complexidade emocional que se poderia esperar de uma história que, em sua essência, é um drama de ambição e traição. Os ambientes, ainda que bem recriados, não se aprofundam na personalidade do personagem central; há um contraste entre a aparência próspera e o vazio moral que acompanha a trajetória de Kroc.
Michael Keaton, com seu vigor característico, encontra um equilíbrio interessante entre a sagacidade e a dureza de Kroc, mas é limitado por uma narrativa que decide apenas roçar a superfície de sua ambiguidade moral. Ao invés de explorarmos as camadas da psique de Kroc, o roteiro nos empurra a vê-lo sob uma ótica mais simplista. Hancock opta por um tratamento que, em vez de questionar as motivações de Kroc, parece apenas catalogar seus feitos. Assim, a narrativa gira em torno de sua sede por sucesso, mas sem desvendar as complexidades ou as consequências psicológicas de sua trajetória.
Há momentos notáveis em que Fome de Poder parece querer mergulhar em um tom mais crítico, principalmente na relação entre Kroc e os irmãos McDonald (interpretados com sensibilidade por Nick Offerman e John Carroll Lynch). Eles representam o idealismo e a visão mais ética dos negócios, em contraste direto com a ambição implacável de Kroc. A dinâmica entre esses personagens poderia ter oferecido um rico conflito, mas o filme muitas vezes recua, tratando o confronto como um obstáculo menor e focando demais no crescimento exponencial do McDonald's. A chance de explorar um verdadeiro dilema moral se perde, o que torna a narrativa previsível e, em última análise, um tanto superficial.
O aspecto técnico do filme, como a montagem, contribui para o ritmo rápido, lembrando uma linha de produção – talvez uma referência sutil à própria eficiência que fez o McDonald's prosperar. Contudo, essa escolha acaba por comprometer o desenvolvimento dos personagens. A montagem ágil oferece um retrato dinâmico da ascensão de Kroc, mas o faz à custa de um desenvolvimento narrativo mais cuidadoso. As transições aceleradas entre cenas de negócios e o pouco foco nas implicações pessoais das ações de Kroc reforçam um senso de fragmentação na narrativa. A ganância de Kroc é evidente, mas o impacto de suas ações em sua própria vida, ou na daqueles ao seu redor, é tratado de maneira um tanto leviana.
Fome de Poder também carece de uma trilha sonora que complemente a profundidade do tema. A música é funcional, mas falha em trazer uma camada emocional que ajude a envolver o espectador no dilema moral que, aparentemente, deveria estar no coração da história. Em outras palavras, a trilha sonora não nos convida a refletir sobre a ética ou a crueldade por trás do sucesso de Kroc; pelo contrário, limita-se a seguir o tom acelerado da narrativa, reforçando a ideia de que o filme está mais preocupado com o sucesso do que com as implicações desse sucesso.
Ao final, Fome de Poder deixa a sensação de um filme que se comprometeu a contar uma história de ascensão empresarial sem mergulhar nas sombras que a circundam. O roteiro perde a oportunidade de criar um estudo de personagem mais profundo e crítico, deixando de explorar a verdadeira complexidade de Ray Kroc. A história real, com seu potencial de abordar temas de ambição e traição em um contexto capitalista, fica reduzida a uma narrativa linear e quase documental. É um filme que entretém e informa, mas que, no processo, esquece de instigar reflexões mais profundas sobre o preço do sucesso.
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