Pedro Almodóvar, renomado por obras como Fale com Ela e A Pele que Habito, mergulha no universo do faroeste com Estranha Forma de Vida, uma tentativa de subversão dos elementos do gênero através de seu olhar autoral e esteticamente vibrante. O filme explora temas como desejo e confronto emocional em um Oeste reimaginado, mas apesar de prometer uma abordagem profunda sobre masculinidade e vulnerabilidade, falha em trazer uma narrativa impactante e consistente.
A assinatura visual de Almodóvar está presente e marcada pela saturação de cores e uma ambientação árida, criada para espelhar o interior de seus personagens. Porém, esse tratamento excessivamente estilizado acaba desfocando o desenvolvimento emocional, e, ao invés de ampliar a intensidade dos sentimentos, limita-os a uma camada superficial. É um paradoxo estético, uma vez que Almodóvar, conhecido por contar histórias intensas através de cores e enquadramentos em filmes como Tudo Sobre Minha Mãe, aqui parece se perder na própria estética, sacrificando a profundidade que caracteriza seus melhores trabalhos.
O diretor de fotografia José Luis Alcaine, colaborador frequente de Almodóvar, traz a paleta de cores vibrante e melancólica que se espera da parceria (como em Dor e Glória). Contudo, enquanto Alcaine cria composições belíssimas, seu trabalho acaba quase ofuscando a narrativa em vez de enriquecê-la. Esse excesso visual desvia do que poderia ser um toque introspectivo mais sutil, essencial para uma história centrada em desejos e arrependimentos.
Os personagens principais são interpretados por Ethan Hawke e Pedro Pascal, dois atores com experiência em papéis intensos e emotivos. Hawke, conhecido por seu trabalho em Boyhood e Antes do Amanhecer, apresenta uma performance que alterna entre vulnerabilidade e contenção, mas não atinge o nível esperado. Pascal, famoso por Narcos e The Mandalorian, também não consegue explorar a complexidade de seu personagem. Apesar de uma química inicial promissora, ambos parecem restringidos por diálogos que explicitam o que poderia ser deixado implícito, limitando o potencial emocional da relação.
O roteiro, escrito pelo próprio Almodóvar, carece de uma profundidade que permita aos atores explorar as nuances de seus personagens. As trocas de olhares e diálogos que poderiam construir uma tensão silenciosa são minadas por um texto que se esforça para entregar tudo diretamente. A promessa de uma exploração emocional densa se perde em uma execução que carece de organicidade.
O roteiro não atinge a complexidade que Almodóvar habitualmente imprime em suas obras. A narrativa tem uma estrutura fragmentada, que impede uma fluidez e evolução consistente dos personagens. É curioso como um diretor de renome, cujo trabalho em Carne Trêmula e Volver exemplifica sua habilidade em construir tensão e mistério, aqui se perde em uma série de cenas pouco conectadas e que parecem conduzir a lugar nenhum.
Embora a intenção de Almodóvar de unir o faroeste ao drama existencial seja ambiciosa, o resultado não atinge um ponto de equilíbrio. A narrativa, ao invés de provocar curiosidade e mistério, se fragmenta em cenas que se desconectam emocionalmente, minando o impacto final do filme.
A trilha sonora, assinada por Alberto Iglesias, é outro ponto importante da produção. Conhecido por seu trabalho em O Jardineiro Fiel e várias colaborações com Almodóvar, como em Má Educação, Iglesias entrega uma trilha atmosférica, mas que em alguns momentos se sobressai à narrativa, criando um contraste que pouco complementa o drama. A sensação é de uma música que, em vez de enriquecer o silêncio necessário de algumas cenas, interfere, tirando o foco das atuações e do contexto.
A edição, feita por Teresa Font, não consegue dar um ritmo satisfatório às transições. Font, que trabalhou em Dor e Glória e O Dia da Besta, aqui emprega cortes que por vezes soam abruptos, dificultando a construção de um fluxo emocional coeso. Esse ritmo descompassado acentua a sensação de que a narrativa é episódica, em vez de contínua.
A cenografia e o figurino, ambos elementos clássicos em filmes de Almodóvar, ganham destaque e, de certa forma, compensam as falhas narrativas. O figurino assinado por Paco Delgado, que já trabalhou em A Garota Dinamarquesa, traz autenticidade e um contraste visual que comunica a aspereza do Oeste. Esses elementos estéticos são, sem dúvida, um dos pontos mais altos da produção, mas ainda assim não são suficientes para resgatar a narrativa do vazio emocional que o filme transmite.
Em Estranha Forma de Vida, Pedro Almodóvar tenta casar o faroeste com seu estilo inconfundível de explorar relações humanas profundas, mas o resultado não se concretiza. A direção excessivamente estilizada e uma narrativa fragmentada minam o potencial de uma história que deveria explorar masculinidade e vulnerabilidade de forma mais autêntica. A presença de Ethan Hawke e Pedro Pascal, que poderia intensificar o drama, é frustrada por um roteiro que não sustenta o conflito emocional. A combinação de uma trilha sonora invasiva e uma edição que quebra o fluxo contribui para uma experiência desconexa.
Ao fim, o filme deixa uma sensação de oportunidade perdida, uma jornada pelo Oeste americano que prometia mais profundidade do que entrega, como um belo cenário vazio que, ao invés de nos impactar, nos deixa com uma inquietante falta de propósito.
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