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outubro 24, 2024

Boy Erased: Uma Verdade Anulada (2018)

 


Título original: Boy Erased
Direção: Joel Edgerton
Sinopse: O jovem Jared, de apenas 19 anos, mora em uma pequena cidade conservadora do Arkansas. Ele é gay e filho de um pastor da Igreja Batista. Em um certo momento de sua vida, Jared é confrontado pela família e precisa escolher entre arriscar perdê-la ou entrar em um programa de terapia que busca tentar "curar" sua homossexualidade.


Boy Erased: Uma Verdade Anulada, dirigido por Joel Edgerton e lançado em 2018, é um drama pesado que aborda um tema sensível e pouco explorado no cinema: a chamada “terapia de conversão” para jovens LGBTQIA+. Baseado nas memórias de Garrard Conley, o filme mergulha na trajetória de Jared (Lucas Hedges), um jovem forçado a participar de um programa que promete "curar" a homossexualidade. Embora a intenção do filme seja louvável, sua execução apresenta alguns problemas que enfraquecem seu impacto emocional e narrativo.

A escolha de Joel Edgerton para a direção é interessante, já que o próprio cineasta também atua no filme como Victor Sykes, o diretor do programa de conversão. Além disso, ele escreveu o roteiro, adaptando o livro de Conley. Isso demonstra uma intenção clara de controle autoral, o que muitas vezes pode enriquecer uma obra. No entanto, nesse caso, a direção e o roteiro de Edgerton resultam em uma abordagem que, embora respeitosa e atenta ao tema, acaba sendo excessivamente contida. Há uma falta de profundidade emocional em vários momentos em que a narrativa poderia e deveria nos fazer sentir o desespero e a confusão de Jared, mas ao invés disso, o filme se apoia em uma sobriedade quase fria que impede o espectador de se envolver por completo.

Lucas Hedges, como protagonista, entrega uma performance introspectiva e vulnerável. É claro que Hedges está se esforçando para capturar as nuances de um jovem em conflito consigo mesmo e com a expectativa religiosa de sua família, mas sua atuação parece contida demais. Essa escolha pode ter sido proposital para refletir a repressão emocional de Jared, mas acaba por criar uma barreira entre o personagem e o público. Em um filme cujo tema central é tão intenso e pessoal, essa distância emocional enfraquece o apelo do drama. Hedges já havia demonstrado seu talento em filmes como Manchester à Beira-Mar (2016), mas aqui ele parece preso a um roteiro que não lhe permite explorar toda a complexidade de seu personagem.

Nicole Kidman e Russell Crowe, que interpretam os pais de Jared, são outros pontos centrais do filme. Kidman, especialmente, oferece uma performance sólida como Nancy, uma mãe dividida entre o amor pelo filho e a pressão de suas crenças religiosas. Kidman traz uma sensibilidade genuína à personagem, especialmente em cenas que exigem um toque mais humano e contido. Crowe, por outro lado, está em uma interpretação mais rígida como o pai pastor de Jared, Marshall. Embora ele capture bem a severidade e a inflexibilidade do personagem, falta uma dimensão que nos faça acreditar em sua luta interna; sua figura representa o conservadorismo religioso, mas sem dar muitas camadas que expliquem o porquê de sua transformação final. A interação entre os pais e Jared parece fragmentada, e o arco de redenção e aceitação de Nancy e Marshall não é totalmente explorado, o que poderia ter dado uma força adicional ao filme.

A cinematografia de Eduard Grau merece destaque por seu uso consciente de tons frios e ambientes opressivos, que refletem a jornada emocional do protagonista. Em cenas que se passam no centro de conversão, as cores se tornam ainda mais desbotadas, remetendo à sensação de sufocamento e ao apagamento de identidade que o processo implica. No entanto, esse recurso visual acaba parecendo um pouco repetitivo e não evolui ao longo do filme, o que diminui seu impacto. A trilha sonora de Danny Bensi e Saunder Jurriaans também segue uma linha mais contida e tenta acompanhar a repressão e tensão internas de Jared, mas, assim como a direção de Edgerton, ela evita picos emocionais, tornando o filme, em certos pontos, excessivamente monocórdico.

O filme procura estabelecer um discurso de resistência e de aceitação da identidade pessoal em oposição à repressão e ao controle, mas o faz com um cuidado excessivo, quase temeroso. Embora isso possa ter sido uma escolha consciente para evitar um tom melodramático, acaba deixando o filme pouco memorável. Em uma narrativa que poderia abalar profundamente o espectador, Boy Erased parece hesitante em ir além da superfície do sofrimento de Jared. Existem momentos de tensão e até de certo desespero, como nas sessões do centro de conversão, mas eles são diluídos por uma direção que hesita em explorar mais visceralmente a brutalidade e o impacto psicológico desse processo.

Outro aspecto que merece menção é o elenco de apoio, composto por nomes como Xavier Dolan, Troye Sivan e Flea. Embora esses atores ofereçam breves momentos que refletem a diversidade de pessoas afetadas pela terapia de conversão, seus personagens são pouco desenvolvidos e acabam apenas sugerindo histórias mais profundas que nunca são plenamente exploradas. Isso é um ponto fraco, pois um pouco mais de atenção a esses indivíduos poderia ter enriquecido o contexto e dado mais peso à narrativa.

Em suma, Boy Erased: Uma Verdade Anulada é uma tentativa honesta de explorar um tema relevante e pouco discutido, mas se perde em uma abordagem excessivamente controlada. Ao final, o filme transmite uma sensação de cautela que vai de encontro à própria essência do que deveria ser um grito de liberdade e aceitação. Edgerton demonstra boas intenções e compromisso com o tema, mas não entrega uma obra que realmente desafie ou emocione profundamente o espectador.

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