Ataque dos Cães, de Jane Campion, é um exemplo raro e revigorante de uma produção moderna que desafia suas próprias convenções, ao mesmo tempo que constrói uma atmosfera densa e profunda. Esse western psicológico é ambientado nas vastas e belas paisagens do oeste americano dos anos 1920, onde o naturalismo dos cenários quase ofusca o desenvolvimento da trama em um primeiro momento. A sensação inicial de que estamos diante de um simples drama familiar logo se desfaz, revelando camadas complexas e inesperadas que conduzem a narrativa a uma direção imprevisível e perturbadora.
De fato, o que Campion realiza com este filme é desconcertante. Inicialmente, temos a impressão de estar assistindo a uma história sobre dois irmãos com personalidades opostas, envolvidos em um conflito de convivência. Phil, interpretado com uma intensidade magnética por Benedict Cumberbatch, é um fazendeiro austero e de temperamento ácido, cuja virulência psicológica se estende a todos ao seu redor, incluindo seu irmão George (Jesse Plemons), uma figura mais suave, gentil e um tanto pacífica. Essa relação tensa é explorada de forma vagarosa e minuciosa, com Campion não entregando o rumo da trama com clareza imediata. Pelo contrário, ela constrói uma sensação de suspense sutil e quase invisível, onde as camadas da história se revelam lenta e misteriosamente.
Um dos maiores triunfos técnicos de Ataque dos Cães está no uso impecável do silêncio e da trilha sonora. Campion opta por uma trilha sonora esparsa, colocando em destaque os sons naturais da paisagem e o peso do silêncio como parte da experiência imersiva. Quando a música entra em cena, ela é meticulosamente calibrada, com Jonny Greenwood trazendo uma composição que é ao mesmo tempo minimalista e profundamente impactante. O trabalho de Greenwood aqui não é um simples acompanhamento, mas sim uma extensão emocional da narrativa, intensificando momentos de tensão e ambiguidade. Essa abordagem musical modesta, porém poderosa, adiciona uma dimensão psíquica ao filme que raramente se encontra em produções modernas.
Em termos visuais, o filme é uma verdadeira joia. A cinematografia de Ari Wegner explora a paisagem com uma majestade quase sobrenatural, usando luz natural e enquadramentos amplos para capturar o isolamento brutal e a vastidão do ambiente. Cada frame é cuidadosamente composto, evocando uma beleza árida que dialoga com a dureza dos personagens e o mistério do enredo. Essa escolha estética não apenas complementa o tom do filme, mas o eleva a um estado quase meditativo, permitindo que o espectador mergulhe nos conflitos internos e psicológicos dos personagens, como se os sentimentos deles fossem inseparáveis da própria paisagem.
Ao fim, Ataque dos Cães desponta como uma obra única, cujo mérito vai além da beleza técnica e dos elementos artísticos: Campion cria uma narrativa que surpreende e desafia o público a cada cena. A princípio um drama rural, o filme se revela uma intrincada teia de ressentimentos, desejos reprimidos e manipulações emocionais que culminam em um final tanto chocante quanto satisfatório. A habilidade da diretora em guiar a história com sutileza, deixando a narrativa se desdobrar de forma orgânica, é um dos pontos altos que tornam este longa uma experiência cinematográfica inesquecível.
Esse é, sem dúvida, um filme que merece a nota máxima, pois é ao mesmo tempo um banquete visual e uma exploração emocional densa, onde nada é gratuito e cada cena tem um propósito cuidadosamente calculado. Ataque dos Cães prova que o cinema moderno ainda pode surpreender, desafiar e, sobretudo, permanecer na memória como uma joia rara e inesquecível.
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