Páginas

outubro 25, 2024

Aftersun (2022)

 


Título original: Aftersun
Direção: Charlotte Wells
Sinopse: Em um resort decadente, Sophie, de 11 anos, aproveita o raro tempo com seu pai amoroso e idealista, Calum. Vinte anos depois, as lembranças de Sophie de suas últimas férias se tornam um retrato poderoso e doloroso do relacionamento deles.


Aftersun (2022) é um filme marcante e introspectivo, que representa a estreia de Charlotte Wells como diretora de longa-metragem, e foi aclamado por seu tratamento sensível e poético das memórias e das nuances de um relacionamento pai e filha. A obra é ambientada em um cenário à beira-mar nos anos 1990, em que Calum (Paul Mescal) e sua filha Sophie (Frankie Corio) passam férias em um resort modesto na Turquia. Embora o filme aborde momentos aparentemente comuns e rotineiros, é na simplicidade dessas cenas que Aftersun encontra uma maneira de tecer uma narrativa rica em simbolismo e profundidade emocional, transformando essas férias de verão em um retrato vívido de saudade e lembranças fragmentadas.

Charlotte Wells traz uma linguagem cinematográfica delicada e introspectiva, e essa qualidade é refletida na maneira como a diretora estrutura a narrativa. A trama não segue um roteiro de conflito convencional, mas, ao invés disso, aposta em uma construção sutil e sensorial, focada mais nas emoções latentes e nas memórias difusas de Sophie, que, ao revisitar essas recordações anos mais tarde, tenta compreender aspectos que talvez não percebera na infância.

O roteiro de Wells é notável por sua capacidade de dizer muito com pouco, empregando silêncios significativos, pausas prolongadas e diálogos econômicos para compor um retrato discreto do relacionamento entre pai e filha. A comunicação entre Calum e Sophie é cheia de olhares, sorrisos e momentos de ternura que nunca chegam ao melodrama, o que transmite ao filme uma qualidade quase documental e reforça sua autenticidade. Aqui, as palavras não ditas são tão importantes quanto as que ouvimos, e é na falta de clareza sobre as emoções de Calum que a narrativa ganha ainda mais complexidade.

As atuações de Paul Mescal e Frankie Corio são, sem dúvida, o coração de Aftersun. Mescal, que já havia demonstrado grande talento em Normal People, aqui se supera ao encarnar um personagem que, em muitos aspectos, é um mistério para o público. Calum é um pai amoroso e presente, mas há momentos em que ele parece distante, imerso em seus próprios pensamentos e lutas pessoais. Mescal transmite essa dualidade com maestria, equilibrando momentos de leveza e de afeto com cenas em que uma melancolia palpável transparece de maneira quase imperceptível, revelando suas vulnerabilidades e questionamentos internos.

Frankie Corio, em sua estreia no cinema, interpreta Sophie com uma naturalidade impressionante, criando uma personagem curiosa e vivaz, que observa o mundo ao seu redor com a inocência e o fascínio de uma criança, mas também com uma sensibilidade que sugere uma maturidade em desenvolvimento. A dinâmica entre Mescal e Corio é sincera e envolvente, e a química entre eles faz com que o vínculo entre pai e filha seja retratado de forma autêntica, transmitindo ao público uma sensação de proximidade com os personagens.

Aftersun é um filme visualmente belo, que se beneficia da fotografia de Gregory Oke para capturar a intensidade emocional dos momentos mais sutis. A câmera de Oke adota uma abordagem intimista, frequentemente mantendo os personagens em closes suaves e focando nos detalhes — os gestos de Sophie, o olhar distante de Calum, as paisagens ensolaradas do resort. O resultado é uma atmosfera que transporta o espectador para a década de 1990, evocando a sensação de nostalgia por meio de uma estética que parece emular a textura granulada de uma filmagem caseira, uma escolha que se encaixa perfeitamente na temática do filme.

A trilha sonora também merece destaque. Ao incorporar músicas da época e trabalhar com sons ambientes que parecem comuns e familiares, como o som do mar e da natureza ao redor, a direção sonora contribui para a sensação de imersão e para o tom melancólico da narrativa. Esses elementos auditivos adicionam uma camada emocional sutil à obra, fazendo com que o filme se desenrole de maneira quase meditativa, permitindo que o espectador sinta a passagem do tempo e a efemeridade das memórias.

Aftersun trata-se, acima de tudo, de uma reflexão sobre memória e o impacto das pequenas interações e gestos do passado na construção de nossa identidade. Sophie, que já adulta tenta entender as complexidades do pai e desse verão em particular, revisita os eventos como uma tentativa de reconstruir a figura de Calum. Essa busca é tocante, pois revela o esforço universal de capturar o que é efêmero e de preencher as lacunas da lembrança com significados que talvez nem estivessem lá originalmente.

Charlotte Wells escolhe, com sensibilidade, não revelar abertamente os traumas ou dificuldades de Calum, permitindo que o público preencha essas lacunas, da mesma forma que a memória de Sophie tenta reconstruir um passado incompleto. Ao final do filme, resta uma sensação de mistério, pois há muito sobre Calum que permanece não dito e desconhecido, refletindo a própria natureza das memórias infantis, que são inevitavelmente parciais e idealizadas.

Aftersun é um filme de belas imagens e atuações comoventes, mas que pode não conquistar todos os públicos devido ao seu ritmo contemplativo e à ausência de uma trama mais definida. A escolha de focar em fragmentos de uma relação pode ser interpretada como algo que tanto acrescenta quanto limita a obra. Há uma leveza que permeia o filme, mas a ausência de conflitos ou de uma estrutura narrativa mais delineada pode deixar a experiência um tanto vaga, dependendo da expectativa de quem assiste.

Para aqueles que buscam uma narrativa introspectiva e que apreciam o cinema de sensações, Aftersun é uma experiência visual e emocional que ressoa além da tela, mas, para outros, a falta de um desenvolvimento mais profundo dos conflitos pode dificultar a imersão plena. Ao fim, o filme se destaca pelo seu olhar sensível sobre o poder das lembranças, que, ainda que sejam fragmentadas, têm um peso imensurável em nossas vidas.

Em última análise, Aftersun é uma jornada pelos recônditos da memória e uma celebração dos momentos que, embora fugazes, moldam quem somos. A abordagem de Wells pode dividir opiniões, mas sua capacidade de capturar a beleza e a tristeza da passagem do tempo é inegável.

Nenhum comentário:

Postar um comentário