Ridley Scott, com seu novo épico Napoleão (2023), entrega uma obra que, embora repleta de grandiosidade visual, não atinge as expectativas de uma cinebiografia definitiva do imperador francês. O filme, como tantos outros projetos do diretor, é tecnicamente impecável, com um design de produção luxuoso, fotografia detalhada e cenas de batalha visualmente impressionantes. Contudo, ao observar as falhas da narrativa e a superficialidade no desenvolvimento de personagens, fica claro que Napoleão falha em capturar a profundidade necessária para um personagem tão complexo e monumental.
A trama cobre a vida de Napoleão Bonaparte desde sua primeira grande vitória no Cerco de Toulon até sua derradeira derrota em Waterloo e seu exílio em Santa Helena. Em teoria, essa linha do tempo é ideal para oferecer ao público uma visão completa do líder militar e político que moldou a Europa moderna. No entanto, o filme se perde em sua ambição ao tentar comprimir 25 anos de história em um filme de duas horas e meia. Essa condensação transforma a narrativa em uma colcha de retalhos de eventos históricos, carecendo de uma conexão mais coesa e emocional com o público. A falta de contexto para as ações de Napoleão, tanto em suas vitórias quanto nas suas derrotas, é um dos principais problemas, deixando a impressão de que o filme é mais um grande "best of" da vida de Bonaparte do que uma análise profunda de suas motivações, sucessos e falhas.
A estética e os elementos técnicos, que são pontos fortes do filme, seguem a tradição dos épicos de Ridley Scott, com uma cinematografia impecável por Dariusz Wolski e cenários grandiosos que refletem a opulência e o caos da época. As batalhas, um dos aspectos mais esperados da produção, são visualmente intensas e muito bem executadas. A sequência em Waterloo, em particular, impressiona pelo escopo e pela coreografia, transportando o público para o coração da ação. Contudo, essas cenas de ação, embora impactantes, carecem da visceralidade e da emoção crua que se espera de uma recriação bélica. Ao comparar com filmes como Gettysburg (1994), que capturou o peso emocional da guerra de maneira mais eficaz, Napoleão deixa a sensação de que as batalhas são apenas eventos bonitos, mas vazios de verdadeira intensidade.
No que diz respeito ao elenco, Joaquin Phoenix mais uma vez decepciona. Sua interpretação de Napoleão, longe de trazer nuances ou carisma, é marcada por uma rigidez emocional que pouco se relaciona com o personagem histórico. Ao longo do filme, Phoenix retrata o imperador como um homem infantil em seus surtos emocionais, mas sem a profundidade intelectual ou estratégica que caracterizava Bonaparte. A falta de expressão facial — que já foi criticada em outras performances do ator — aqui se torna um obstáculo ainda maior, pois o público nunca consegue enxergar Napoleão além de sua imagem de figura autoritária. Isso, infelizmente, transforma o protagonista em uma caricatura desinteressante, sem a paixão ou a genialidade que tornaram Napoleão uma figura histórica tão fascinante.
O filme também se compromete ao focar fortemente na relação entre Napoleão e Josefina, interpretada por Vanessa Kirby. As cartas trocadas entre o casal na vida real oferecem um material potencialmente riquíssimo para explorar o lado humano de Bonaparte, revelando sua vulnerabilidade e suas aflições íntimas. No entanto, no filme, essa dinâmica é superficial e falha em provocar o impacto emocional necessário. A química entre Phoenix e Kirby simplesmente não existe, e o que poderia ter sido um retrato emocional e envolvente de um relacionamento tumultuado e cheio de paixão se perde em diálogos monótonos e interações apáticas. A tensão emocional entre os dois personagens, essencial para o arco narrativo do filme, nunca atinge seu clímax e acaba sendo apenas mais uma camada desperdiçada.
Além disso, ao observar a estrutura geral da obra, percebe-se que Napoleão segue o mesmo destino de muitos dos projetos de Ridley Scott. O diretor é, sem dúvida, um mestre na criação de mundos ricos e detalhados, mas muitas vezes sua abordagem carece de alma e de uma conexão verdadeira com os personagens. Isso resulta em filmes que são visualmente exuberantes, mas emocionalmente distantes. Essa característica é particularmente evidente aqui, onde Scott constrói um épico de batalha e intriga, mas falha em dar vida ao homem por trás da coroa. No fim das contas, Napoleão é um filme esteticamente arrebatador, mas que se sente mais como um quadro bonito pendurado em um museu do que uma experiência cinematográfica que envolva e emocione o público.
Outro ponto crucial que compromete o filme é a escolha de apenas seis batalhas de um total de 81 que Napoleão enfrentou. Isso não só distorce a percepção de seu sucesso como estrategista militar, mas também limita a narrativa a eventos-chave que carecem de contexto. Enquanto filmes como Alexandre (2004), de Oliver Stone, glorificam e mitificam seus protagonistas, Napoleão não faz jus ao impacto global do imperador. Bonaparte é retratado mais como um tirano que perdeu muitas vezes, o que reduz significativamente o senso de sua verdadeira importância histórica.
Talvez a maior crítica a se fazer a Napoleão seja sua falta de paixão. Ao longo de mais de duas horas, o filme nunca realmente estabelece uma conexão emocional com o público. A frieza de Phoenix no papel-título, somada à narrativa fragmentada e à abordagem estética de Scott, cria uma distância entre o espectador e a história. Mesmo os momentos mais impactantes da vida de Bonaparte — sua coroação, a invasão da Rússia, sua derrota em Waterloo — parecem sem vida. Para um personagem que moldou o destino de nações e deixou uma marca indelével na história mundial, isso é uma falha imperdoável.
Em conclusão, Napoleão é uma experiência visual deslumbrante, mas narrativa e emocionalmente rasa. Ridley Scott, mais uma vez, entrega um épico tecnicamente bem executado, mas sem a alma necessária para que o filme se eleve a algo mais do que apenas belas imagens. Para aqueles que esperavam uma cinebiografia definitiva do imperador francês, este filme fica muito aquém do esperado, deixando em aberto a necessidade de uma adaptação mais profunda e apaixonada.
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