Ana Lily Amirpour estreou no cenário cinematográfico com Garota Sombria Caminha Pela Noite, um filme que logo de cara chama atenção pela sua premissa excêntrica e provocativa: uma vampira iraniana, vestindo hijab, perambula pelas ruas de uma cidade decadente, chamada Bad City. O filme é descrito como um "western de vampiros iraniano", e de fato, essa descrição carrega a peculiaridade que poderia ter gerado algo memorável e inovador. Acontece, porém, que o resultado final fica muito aquém do que essa ideia insinua. A originalidade estética e narrativa sucumbe a um ritmo que, como muitos filmes iranianos, se arrasta sem justificativa.
A primeira coisa que chama atenção é a ambientação. Bad City é um lugar fantasmagórico, povoado por figuras solitárias e uma sensação constante de decadência. A cidade não só é cenário, mas quase uma personagem à parte, com suas ruas desertas, fábricas abandonadas e poços de petróleo inquietantemente posicionados. Essa atmosfera de solidão e abandono poderia ter funcionado de forma exemplar se não fosse diluída por uma cadência absurdamente lenta. Cada cena se estende além do necessário, como se Amirpour estivesse desesperada para conferir ao filme uma aura de profundidade que, no final, nunca se concretiza.
Amirpour parece indecisa entre construir um filme de gênero ou uma obra de arte conceitual. Temos aqui a figura de uma vampira (vivida por Sheila Vand) que, em um contraste interessante com a representação típica desses seres, veste hijab e anda de skate pelas ruas escuras. Essa vampira não só se alimenta de sangue, mas também de uma espécie de justiça social, escolhendo suas vítimas com critério e, em alguns momentos, até exibindo uma certa ternura. O conceito de uma vampira justiceira no contexto de uma sociedade reprimida, como a que o Irã frequentemente retrata no cinema, é interessante. Contudo, a execução deixa a desejar.
Se, por um lado, o filme tenta misturar gêneros de forma ousada, por outro, sofre da insuportável lentidão que assola muitos filmes iranianos. Não há urgência nas ações, os diálogos são escassos e, quando acontecem, não fazem jus à complexidade que a trama sugere. Cada olhar, cada silêncio é esticado ao extremo, como se Amirpour estivesse mais preocupada em criar imagens do que em contar uma história com fluidez. E isso torna a experiência frustrante, pois o filme poderia ter sido muito mais dinâmico sem perder seu caráter reflexivo ou excêntrico.
Em termos técnicos, é inegável que o filme tem um apelo visual forte. O preto e branco destaca a desolação de Bad City e, em certos momentos, até evoca o trabalho de diretores clássicos, como Jim Jarmusch, ou até influências de spaghetti westerns. Contudo, a insistência em emular essas referências visuais parece mais uma tentativa de disfarçar a falta de substância narrativa. A câmera, embora elegante, não sustenta o peso do tédio que inevitavelmente se instala à medida que o filme avança.
A trilha sonora, por outro lado, é um dos pontos altos. Misturando influências do rock iraniano com músicas ocidentais, Amirpour consegue criar uma atmosfera sonora que complementa bem o clima estranho e melancólico da trama. As escolhas musicais, desde sons pulsantes a faixas mais delicadas, funcionam como uma espécie de salvaguarda para o filme, oferecendo momentos de leveza e envolvimento quando o roteiro já não tem mais forças. Contudo, nem mesmo uma boa trilha sonora é capaz de carregar um filme que se perde em sua própria pretensão.
As atuações são outro aspecto que não conseguem salvar o filme de sua própria monotonia. Sheila Vand, como a vampira, é magnética em certos momentos, mas não recebe material suficiente para explorar sua personagem de forma plena. Ela é um símbolo, mas nunca se desenvolve além disso. Os coadjuvantes também sofrem com essa falta de profundidade. Arash Marandi, que interpreta um jovem de bom coração que cruza o caminho da vampira, parece estar ali apenas para dar um mínimo de direção à trama, mas sua interação com a protagonista é superficial e nunca realmente se transforma em algo mais significativo.
O conceito de Garota Sombria Caminha Pela Noite é mais interessante do que o filme em si. A ideia de uma vampira de hijab em uma cidade iraniana poderia ter gerado uma discussão poderosa sobre repressão, isolamento e vingança. Contudo, essas temáticas são tocadas de forma rasa, perdendo-se no ritmo exasperante e em escolhas narrativas que muitas vezes parecem mais focadas na estética do que em contar uma história consistente. No fim, o filme se revela mais como um exercício de estilo do que uma obra com algo realmente a dizer.
Há quem aprecie o "estranho pelo estranho", mas a sensação ao final é de que Garota Sombria Caminha Pela Noite desperdiça suas boas ideias. Talvez seja uma obra para aqueles que procuram um filme para admirar pela sua estética, mas, para quem busca um equilíbrio entre estilo e substância, a decepção é quase inevitável.
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