Amantes Eternos (Only Lovers Left Alive, 2013), de Jim Jarmusch, é uma verdadeira ode à atemporalidade, e mais uma vez, o diretor prova ser um mestre em transformar histórias improváveis em pequenas obras-primas memoráveis. Se a premissa de vampiros melancólicos vagando pela escuridão da existência moderna pode soar trivial, Jarmusch a reimagina com uma sensibilidade única, carregada de poesia, filosofia e música que, mais do que pano de fundo, se torna uma extensão das próprias almas de seus protagonistas.
A trama acompanha Adam (Tom Hiddleston) e Eve (Tilda Swinton), um casal de vampiros que atravessou séculos de história. Longe dos clichês do terror, a abordagem de Jarmusch é tão introspectiva quanto hipnotizante, concentrando-se no tédio existencial, na beleza fugaz da arte e no luto pela degradação do mundo moderno. Adam, uma figura atormentada, vive recluso em uma Detroit desolada, imerso em sua música e numa depressão sem fim, enquanto Eve, sua eterna companheira, reside no exótico caos de Tânger, envolvendo-se com livros e sabedoria ancestral.
Que direção! Jim Jarmusch domina a narrativa com uma maestria que transcende o convencional, explorando temas de mortalidade, amor e decadência cultural de forma que só ele consegue. Sua habilidade em pegar histórias aparentemente banais e elevá-las a uma dimensão quase espiritual é rara, e aqui ele faz isso de maneira sublime. Como já fez em Flores Partidas (2005), onde transformou a busca de um homem pelo passado em uma reflexão sobre a própria existência, ou em Paterson (2016), onde o cotidiano de um motorista de ônibus vira poesia, Jarmusch mais uma vez nos leva por um caminho inesperado e comovente.
O trio de atuações centrais é simplesmente impecável. Tilda Swinton, sempre uma força da natureza, traz uma profundidade absurda a Eve. A atriz, que já deu vida a personagens tão diversos quanto a angelical Gabriel em Constantine (2005), a perturbada mãe em Precisamos Falar Sobre o Kevin (2011), a majestosa Feiticeira Branca de As Crônicas de Nárnia (2005) e até a excêntrica diretora de uma escola de dança em Suspiria (2018), constrói aqui uma vampira cheia de elegância, inteligência e uma calma milenar, quase indiferente às tragédias do mundo humano. Sua presença em tela é magnética, capaz de alternar entre o etéreo e o visceral com uma facilidade assustadora.
Ao lado dela, Tom Hiddleston interpreta Adam, um músico torturado pela eternidade e pela decadência cultural do mundo. Mais conhecido por seus papéis em Os Vingadores (2012), onde interpreta o vilanesco e carismático Loki, e em Kong: A Ilha da Caveira (2017), onde mostra seu lado mais aventureiro, Hiddleston aqui exibe uma performance contida e dolorosa. Ele é o retrato do artista incompreendido, consumido pela sua própria criatividade, mas incapaz de encontrar sentido no presente. Sua interpretação dá ao filme um ar de tragédia shakespeariana, um eco de Hamlet perdido em uma Detroit pós-industrial.
Para completar o trio, temos Mia Wasikowska, que aqui interpreta Ava, a jovem e insaciável irmã de Eve. A atriz, lembrada por seu papel como Sophie, a complexa e vulnerável paciente em In Treatment (2008), traz uma energia caótica ao filme. Sua Ava é impetuosa, irresponsável, quase um reflexo do hedonismo juvenil, destoando das figuras introspectivas de Adam e Eve. Ela é a faísca de caos que rompe a calma silenciosa da narrativa, adicionando uma camada de perigo e imprevisibilidade ao filme.
O roteiro é outra joia rara. Insanamente bom, cada linha de diálogo está carregada de significado e sutileza. Jarmusch mistura referências literárias, científicas e culturais de forma orgânica, sem nunca soar pedante. As conversas entre Adam e Eve não são apenas sobre seu relacionamento, mas sobre o mundo ao redor, sobre a arte que desaparece, a cultura que se dissolve e a própria insignificância da humanidade diante da eternidade. Essa reflexão, no entanto, não é puramente niilista; há uma beleza no desespero de Adam e uma aceitação tranquila no olhar de Eve. Juntos, eles formam o yin e yang da existência imortal.
Além disso, a trilha sonora é um elemento crucial, quase um personagem por si só. As canções, que vão desde rock gótico até sons eletrônicos experimentais, criam o clima certo para cada cena, reforçando a atmosfera densa e melancólica. É um filme onde a música não só ambienta, mas expressa o interior das personagens, especialmente Adam, que vive para sua arte e através dela. A escolha de Jarmusch por músicos como Jozef van Wissem e Yasmine Hamdan é um toque de mestre, fornecendo à película uma sonoridade etérea e hipnotizante, que ecoa a própria alma de seus protagonistas.
Tecnicamente, Amantes Eternos é um espetáculo à parte. A cinematografia de Yorick Le Saux é deslumbrante, com uma paleta de cores que alterna entre o escuro gótico de Detroit e o calor avermelhado de Tânger, refletindo o estado de espírito de Adam e Eve. A direção de arte também merece destaque, com cada cenário cuidadosamente construído para parecer uma extensão das personagens — o apartamento de Adam, cheio de instrumentos, máquinas analógicas e relíquias culturais, é um reflexo direto de sua obsessão pela arte e pelo passado.
No fim, Amantes Eternos é um filme que transcende o gênero de vampiros e se transforma em uma meditação sobre o tempo, o amor e a arte. Com uma direção impecável de Jarmusch, atuações marcantes de Swinton, Hiddleston e Wasikowska, e um roteiro afiado, essa é uma daquelas obras que ressoam muito depois dos créditos finais. É um filme que não se apressa em chegar a lugar nenhum, mas te convida a saborear cada momento, como se fosse o último. Que experiência!
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