Dirigido por Xavier Dolan, um dos nomes mais prolíficos e autorais do cinema contemporâneo, "Matthias & Maxime" (2019) é uma obra que carrega muitos dos temas e traços estilísticos que marcaram a filmografia do diretor. Dolan explora questões como identidade, sexualidade, amizade e a complicada transição da juventude para a vida adulta, temas centrais em sua trajetória artística. Contudo, ao contrário de trabalhos anteriores que foram recebidos com entusiasmo e aclamação crítica, como "Mommy" (2014) e "Eu Matei Minha Mãe" (2009), "Matthias & Maxime" parece vacilar em seu propósito, resultando em uma narrativa que, embora carregada de boas intenções, não atinge todo o impacto emocional que se espera.
A trama gira em torno de Matthias (Gabriel D’Almeida Freitas) e Maxime (interpretado pelo próprio Dolan), dois amigos de longa data que, durante uma reunião casual de amigos, são desafiados a participar de um curta-metragem estudantil. A cena filmada inclui um beijo entre os dois, que desencadeia uma série de questionamentos internos e externos, especialmente sobre a natureza de sua amizade e a própria sexualidade de Matthias, que até então se via em um relacionamento heterossexual.
Embora a premissa seja provocante e cheia de potencial, a execução deixa a desejar em alguns momentos. O filme se propõe a explorar o impacto de uma descoberta tardia de sentimentos em uma relação masculina aparentemente sólida, mas a narrativa muitas vezes se perde em digressões que enfraquecem a força emocional do enredo principal. As tensões entre os protagonistas, ao invés de se tornarem mais densas e complexas à medida que o filme avança, ficam diluídas por cenas que não parecem contribuir para o desenvolvimento dos personagens de forma significativa.
Tecnicamente, "Matthias & Maxime" exibe a sensibilidade estética característica de Dolan. As composições de cena são cuidadosamente planejadas, com o uso vibrante de cores e ângulos ousados que já se tornaram marcas registradas do diretor. O estilo visual do filme é inegavelmente belo e muitas vezes reforça o sentido de isolamento e confusão experimentado pelos personagens. A direção de arte e o uso de iluminação natural conferem um realismo sensível, equilibrado com momentos de saturação emocional, típicos da obra de Dolan.
Entretanto, a estética forte e detalhada, embora agradável aos olhos, em alguns momentos parece sobrepor-se à narrativa, como se o filme estivesse mais preocupado em ser visualmente marcante do que em construir uma história emocionalmente coesa. Há cenas em que o simbolismo visual é tão denso que obscurece a simplicidade dos sentimentos que Dolan tenta retratar, algo que se encaixaria melhor em um filme mais contemplativo e menos dramático.
As atuações em "Matthias & Maxime" são, em sua maioria, consistentes, mas é nas performances dos dois protagonistas que reside tanto a força quanto a fraqueza do filme. Gabriel D’Almeida Freitas traz uma interpretação sutil e introspectiva para Matthias, capturando bem a angústia de um homem dividido entre sua vida familiar, seu futuro e a redescoberta de um sentimento que não sabe como lidar. Dolan, por sua vez, é eficaz como Maxime, um personagem que é mais emocionalmente aberto, mas que também carrega seus próprios fardos, como uma difícil relação com sua mãe abusiva e seus planos de deixar o país.
No entanto, apesar da competência técnica dos atores, a química entre Matthias e Maxime, crucial para que o público se envolva emocionalmente com o dilema central, não é tão convincente quanto deveria ser. Faltam momentos verdadeiramente carregados de tensão e ambiguidade entre os dois, o que faz com que o impacto de suas ações e decisões seja sentido de maneira menos intensa. A complexidade da relação entre amigos que, possivelmente, sentem algo mais, não é explorada de maneira tão profunda quanto poderia, deixando o espectador esperando por uma catarse emocional que nunca chega completamente.
O roteiro de Dolan tenta balancear os diálogos espirituosos e as interações naturais entre os amigos com momentos de introspecção e silêncio, mas o resultado é um ritmo irregular. O filme tem passagens que flertam com o tédio, especialmente na primeira metade, onde a ação parece se arrastar sem grandes avanços narrativos. As conversas entre o grupo de amigos, embora realistas e às vezes engraçadas, parecem muitas vezes desconectadas do conflito emocional de Matthias e Maxime, o que compromete a fluidez do enredo.
O terceiro ato do filme, onde esperávamos uma resolução mais impactante ou esclarecedora para os sentimentos dos protagonistas, é onde o filme mais se distancia de seu potencial. A conclusão parece abrupta, com os arcos dos personagens principais ficando aquém do desenvolvimento emocional necessário para que o público se sinta verdadeiramente conectado à história.
Um ponto forte em "Matthias & Maxime" é a trilha sonora, cuidadosamente escolhida para amplificar as emoções que o filme busca retratar. Dolan sempre demonstrou habilidade em casar a música com a imagem de maneira envolvente, e aqui não é diferente. Canções melancólicas e momentos de silêncio são bem utilizados para refletir o estado emocional dos personagens, com destaque para as músicas que acompanham os momentos mais introspectivos de Maxime.
"Matthias & Maxime" é um filme que se beneficia da sensibilidade visual de Xavier Dolan e das performances sólidas de seu elenco, mas peca por não alcançar a profundidade emocional que sua premissa sugere. O que poderia ser uma análise poderosa e íntima da fluidez da amizade e do desejo entre dois homens, acaba ficando preso em escolhas narrativas que não exploram totalmente o conflito interno de seus personagens.
Dolan mostra, mais uma vez, seu talento para criar imagens belas e cenas que parecem encapsular a angústia da juventude, mas, neste caso, a beleza estética não é o suficiente para compensar as falhas de um roteiro que carece de foco e de impacto emocional. É um filme que se aproxima de algo verdadeiramente especial, mas que, no fim, parece hesitar em dar o passo final para transformar essa história de amor e amizade em algo memorável e catártico.
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