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agosto 26, 2024

Era uma Vez em... Hollywood (2019)

 


Título original: Once Upon a Time in... Hollywood
Direção: Quentin Tarantino
Sinopse: Los Angeles, 1969. Rick Dalton é um ator de TV que, juntamente com seu dublê, está decidido a fazer o nome em Hollywood. Para tanto, ele conhece muitas pessoas influentes na indústria cinematográfica, o que os acaba levando aos assassinatos realizados por Charles Manson na época, entre eles o da atriz Sharon Tate, que na época estava grávida do diretor Roman Polanski.


Dirigido por Quentin Tarantino, Era uma Vez em... Hollywood (Once Upon a Time in... Hollywood, 2019) é uma obra que mistura nostalgia e revisionismo histórico, transportando o espectador diretamente para o final dos anos 1960, quando o glamour de Hollywood estava em seu auge e as tensões sociais e culturais dos Estados Unidos começavam a atingir seu ponto de ebulição. Tarantino, com sua assinatura visual e narrativa, constrói um filme que é, ao mesmo tempo, uma carta de amor ao cinema e uma reflexão sobre as transições culturais e sociais dessa época. No entanto, apesar da maestria técnica e artística envolvida, o filme não está isento de problemas, especialmente em seu ritmo e na forma como lida com certos elementos narrativos.

A recriação da Los Angeles de 1969 é um dos pontos mais fortes do filme. Desde o design de produção até o figurino, Era uma Vez em... Hollywood transporta o espectador para uma época dourada da história do cinema. As ruas de Hollywood Boulevard, os outdoors, os carros, as estações de rádio e os cinemas drive-in são recriados com uma precisão impressionante, capturando não apenas o visual da época, mas também seu espírito. A atenção aos detalhes que Tarantino e sua equipe de produção demonstram é impressionante, tornando o cenário quase um personagem à parte na narrativa.

O uso de câmeras antigas e filtros que remetem ao visual dos anos 60 reforça essa imersão. A cinematografia de Robert Richardson, colaborador frequente de Tarantino, é fundamental para a construção desse mundo nostálgico. A luz natural de Los Angeles, os tons quentes e o brilho suave que permeiam o filme criam uma atmosfera quase de sonho, como se estivéssemos vendo a Hollywood de 1969 através das lentes da memória. Essa ambientação é complementada pela trilha sonora recheada de hits da época, que transporta ainda mais o espectador para o contexto da história.

Leonardo DiCaprio e Brad Pitt interpretam, respectivamente, Rick Dalton, um ator em decadência, e Cliff Booth, seu dublê e melhor amigo. A relação entre os dois é o coração do filme, com Pitt e DiCaprio demonstrando uma química incrível que mantém o interesse do público mesmo em momentos em que a narrativa parece se arrastar. Rick Dalton é o retrato de um ator que vive o declínio de sua carreira com um misto de melancolia e desespero, enquanto Cliff Booth é um homem confiante e relaxado, que parece confortável em sua posição de subordinado, mas que esconde um passado sombrio.

A atuação de DiCaprio é cheia de nuances, especialmente nas cenas em que ele lida com a insegurança sobre sua relevância na indústria. Ele oferece uma performance rica em emoção, equilibrando momentos de desespero e introspecção com a habilidade cômica que o tornou famoso. Brad Pitt, por outro lado, dá vida a Cliff com um carisma despretensioso que rouba a cena em vários momentos. A combinação de sua fisicalidade e seu humor seco faz de Cliff uma das figuras mais memoráveis da filmografia recente de Tarantino. Pitt, aliás, tem uma das cenas mais intensas do filme, quando visita o rancho Spahn, local infame associado à família Manson. Essa sequência, embora lenta, é cheia de tensão e mostra a habilidade do diretor em construir suspense.

Se a estética e as performances são pontos altos, o ritmo do filme apresenta um desafio maior. Tarantino é conhecido por suas narrativas longas e diálogos afiados, mas em Era uma Vez em... Hollywood, essa abordagem resulta em uma estrutura que nem sempre flui com naturalidade. A trama é episódica, com muitas cenas que, embora visualmente interessantes e cheias de referências à cultura pop da época, parecem não contribuir para o avanço da história de maneira significativa.

Essa escolha de Tarantino para se concentrar mais na ambientação e nos personagens do que em uma trama linear pode ser frustrante para alguns espectadores. Há momentos em que o filme parece vagar sem rumo, como se estivesse mais interessado em capturar o espírito da época do que em contar uma história coesa. Embora essa abordagem seja interessante do ponto de vista artístico, ela pode fazer com que o filme pareça excessivamente longo e disperso.

Como já fez em filmes como Bastardos Inglórios, Tarantino emprega o revisionismo histórico em Era uma Vez em... Hollywood, reimaginando eventos reais para criar um final que desafia as expectativas do público. O filme culmina com uma sequência violenta e absurda que, em típico estilo tarantinesco, vira a realidade de cabeça para baixo. Ao invés de seguir os eventos trágicos que levaram à morte de Sharon Tate e seus amigos nas mãos da família Manson, Tarantino nos oferece uma espécie de catarse fictícia, onde a justiça é feita de uma maneira explosiva e exagerada.

Essa escolha pode ser polarizadora. Para alguns, o final oferece uma redenção fictícia, um "e se" que alivia o peso da tragédia que realmente ocorreu. Para outros, no entanto, pode parecer uma exploração insensível de um evento traumático da história. Margot Robbie, no papel de Sharon Tate, é subutilizada ao longo do filme, e sua presença acaba sendo mais simbólica do que narrativa. O filme a retrata como um símbolo de esperança e otimismo, mas sem nunca realmente mergulhar em sua vida ou em sua personalidade, o que é um dos aspectos mais decepcionantes do filme.

Os diálogos são um dos pontos fortes da obra de Tarantino, e aqui não é diferente. Mesmo nos momentos em que a narrativa parece estagnada, os diálogos afiados mantêm o interesse. As conversas entre Rick Dalton e Cliff Booth são cheias de humor e introspecção, explorando temas como a passagem do tempo, a amizade e a indústria do entretenimento. Os diálogos são frequentemente impregnados com referências à cultura pop da época, o que pode agradar aos fãs mais atentos, mas também pode alienar quem não está familiarizado com o contexto histórico e cultural dos anos 60.

Era uma Vez em... Hollywood é um filme que mistura nostalgia, subversão e uma dose saudável de revisionismo histórico. Tarantino celebra o cinema e a Hollywood de uma época passada com maestria técnica e atuações memoráveis, especialmente de Brad Pitt e Leonardo DiCaprio. No entanto, a estrutura episódica e o ritmo irregular podem testar a paciência de alguns espectadores, especialmente aqueles que esperam uma trama mais linear e focada.

O filme é, ao mesmo tempo, uma homenagem e uma reimaginação da era de ouro de Hollywood, e embora suas escolhas artísticas nem sempre funcionem de maneira fluida, ele ainda se destaca como uma obra visualmente deslumbrante e uma peça importante no repertório de Tarantino. Para quem aprecia o cinema como arte, Era uma Vez em... Hollywood oferece uma experiência rica e nostálgica, mesmo que seus excessos e desvios narrativos impeçam que ele alcance o status de obra-prima.

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