Dando continuidade aos excelentes
documentários brasileiros que têm sido lançados nos últimos tempos, nos é
apresentado dessa vez o gaúcho Extremo
Sul. O que chama a atenção logo de cara é, com certeza, a excelente
fotografia. Certo, filmes com paisagens naturais, ainda mais os que se passam
em ambientes gelados, tendem a ter uma facilidade maior com a área da imagem na
tela, e é o que acontece aqui. Extremo
Sul, além da fotografia, conta com uma edição excelente. Não diria
inovadora, mas mesmo assim, ótima, não linear em certos momentos, sincronizando
fatos passados com o presente, e, o melhor de tudo, o som é de certa forma
sincronizado com a edição. Coisa essa que cineastas como Quentin Tarantino
adoram fazer, e que realmente chamam a atenção, e, quase na sua totalidade,
funcionam.
Para poupar tempo, e também servindo como
prenúncio do rumo que Extremo Sul irá
tomar, por diversas vezes a tela é dividida em várias partes, já no início, com
duas divisões, uma mostrando o alpinista principal e outra metade mostrando a
paisagem belíssima da Patagônia; mais pra frente, a tela é dividida em muito
mais partes, chegando a ter várias pessoas falando ao mesmo tempo. Confuso?
Sim. Mas era pra ser assim mesmo.
O documentário tenta ser o mais acurado
possível em
termos de geografia, mostrando ao público (que, em sua grande maioria, não deve
entender muito de alpinismo) a localização do Monte Sarmiento, no Chile, que é
a montanha que deverá ser escalada.
Extremo Sul nos prende a atenção completamente até mais ou menos 20 a 30 minutos de projeção, quando começa a se tornar um tanto quanto cansativo, mas só até a entrada do segundo ato. Até vermos o que vai realmente acontecer, o público acha (assim como eu achei), que verá "mais do mesmo", pessoas subindo montanhas, chegando ao cume, todos comemorando no final, e por aí vai. À primeira vista, é meio (ou totalmente) óbvio que Extremo Sul irá tratar única e exclusivamente sobre o tema do alpinismo. Mas não. O que diferencia esse documentário de outros (como a excelente produção de 1998, o similar Everest) é que ele considera as relações humanas, e não somente montanhas de gelo. E tudo isso em meio à excelente trilha de Leo Menkin, e, principalmente, à contagiante canção tema "Donde Vas", que, querendo ou não, fica impregnada na cabeça de quem vê o filme por até mesmo dias após o ter assistido.
A princípio, é meio que um "choque" vermos
diretores (e eles tiveram trabalho!), equipe técnica e tudo mais na frente das câmeras. Existem certas situações que
até vemos a diretora (e produtora) Monica Schmiedt gritar ‘ação’. Confesso que,
no início, isso me pareceu meio que uma afronta à estética, como se o montador
tivesse esquecido de cortar uns pedaços de filme do início do plano. Passada
meia hora, começamos a ver um "making of" de Extremo Sul, embutido no filme. De início, esse making of parece
existir para justificar o quase fracasso aparente do longa, uma vez que os
alpinistas desistem de subir a montanha, menosprezando o trabalho da equipe de
cinema e praticamente fazendo os diretores Sylvestre e Monica de palhaços.
Palhaços sem público e sem intenção.
A
pergunta que não tem resposta é: se os alpinistas acham que a presença da
equipe de cinema é um terror, e que eles atrapalham tanto o curso da aventura
(e isso tudo ainda mesmo tendo sido feita uma combinação prévia de que as duas
equipes – cinema e alpinistas – não iriam estar em contato diretamente), por
que eles concordaram de início com a realização de um documentário sobre a
(terceira) conquista do Sarmiento?
O líder da equipe de alpinistas, Baretta, é extremamente antipático, todo o tempo, e, apesar de em suas entrevistas falar que aquilo era um time, em que todos dividiam tarefas e afazeres igualmente, ele se acha o astro da situação. Ao desistir de subir a montanha e quase pôr a perder todo o trabalho dos diretores, ele parece estar gostando daquilo. Ele parece gostar de se sentir "no comando", passando por cima de todos e meio que dizendo "viu? Sem mim não há filme".
Daí em diante, falta pouco para tudo partir para a baixaria, e Extremo Sul se torna uma guerrilha de cineastas versus alpinistas. Isso foge da proposta inicial do longa, e poderia tranquilamente ter sido sua derrocada, e nós não teríamos nem a chance de vê-lo. Mas, ironicamente, acontece o contrário, o filme é salvo por esse fato, deixando de se tornar "mais do mesmo", um simples documentário de pessoas subindo a montanha, pra se tornar algo como "pessoas se desentendendo no sopé da montanha". De verdade, como se fosse um Big Brother no gelo.
Partes
como a da tela dividida em quatro (como já mencionado antes), refletem bem o
sentimento e a confusão total dos alpinistas, que mal sabem o que querem fazer,
cada um falando uma coisa diferente. Ainda nos é mostrada a expedição de
australianos, anterior a essa dos brasileiros, ao mesmo monte, que foi
bem-sucedida (e também estava sendo filmada, pelos próprios alpinistas),
mostrando que os brasileiros são exagerados, e gostam de reclamar sentados, sem tomar
atitudes, desistindo ao aparecer o primeiro e mínimo conflito. Mostra também
que alpinismo, monte Sarmiento e cinema podem ser combinados sim, sem
problemas.
No
final das filmagens, parece existir um sentimento de que "tudo deu errado".
Ninguém subiu a montanha e "não temos filme". Errado. É aí exatamente o ponto
alto de Extremo Sul: ele é um "filme fênix", ressurgindo de suas próprias cinzas. Mas não deve ter sido
fácil. Vemos isso por planos como o da diretora Monica Schmiedt sentada na proa
do barco, saindo do local, ao término das filmagens, desalentada. Mas eis que
na pós-produção, meio que por mágica (e muita inteligência e determinação),
pensaram em lançar o filme com a temática de "conflitos interpessoais". E ele
funciona, muito bem.
Saímos da sala de cinema surpresos porque entramos pensando que iríamos ver uma coisa, e saímos com as ideias completamente diferentes, pra melhor, bem melhor. E tudo isso, cantarolando "Donde Vas" pela saída. É inevitável.