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junho 02, 2005

A Pessoa É Para o Que Nasce (2003)

 


Título original: A Pessoa É Para o Que Nasce
Direção: Roberto Berliner, Ricardo Domingues
Sinopse: A história de três irmãs cegas que viveram cantando e tocando ganzá em troca de esmolas nas cidades e feiras do Nordeste do Brasil.


É uma pena que não exista no Brasil (nem no mundo em geral, mas por aqui é pior), a aceitação do documentário como uma forma de cinema "comum", que também serve para entretenimento. Já passou a época em que os documentários eram meros vídeos da National Geographic Society mofando na prateleira, com entrevistas intermináveis sobre animais desconhecidos. A forma do documentário atual é bem diferente, praticamente como uma "extensão" dos filmes ficcionais, tratando de temas presentes em nosso cotidiano, e mesmo assim, fantásticos em seu modo particular de ser.

E o que poucos sabem, por puro preconceito (ou "pré-conceito"), é que maravilhosos filmes como Justiça, do ano passado, acabam sendo deixados em segundo plano. E o mesmo trágico destino aguarda pelo não-menos-admirável documentário brasileiro A Pessoa É Para o Que Nasce.

O Brasil vêm se consolidando (ou pelo menos tentando se consolidar) como um dos melhores realizadores de documentários do mundo. Mas, infelizmente... pouquíssimo público, isso não tem jeito. Nem "filmes-documentários-blockbusters", como o polêmico Fahrenheit 11 de Setembro, obtiveram o mesmo desempenho de público observado em outros países. 

Apresentado na recentemente desenvolvida forma digital, que começa a se popularizar em alguns circuitos de cinemas do país (em sua maior parte os "culturais"), o filme chama logo a atenção por apresentar legendas, mesmo que todas as pessoas nele estejam dialogando em português. A única explicação lógica para isso (creio que a utilização de legendas não foi para os deficientes auditivos), a meu ver, é a de que, em certas partes da projeção, realmente torna-se difícil para o cidadão do sudeste ou sul do Brasil entender coisas ditas com o forte sotaque nordestino de Campina Grande, Paraíba, onde o filme é concentrado na maior parte do tempo.

Mesmo tratando-se de um documentário sobre três irmãs cegas que vivem de pedir esmolas enquanto tocam e cantam canções (de composição própria) em seus ganzás (instrumento de percussão do Nordeste), não se esperava que o filme apresentasse uma composição sonora tão cuidadosa. Seja pela curiosa forma de ‘musicalização’ das falas das protagonistas, quando elas se apresentam para o espectador, seja pela forma em que as canções delas nos são apresentadas, como "Sereno da Madrugada", que ficam na cabeça do público, este querendo ou não, ou mesmo pela trilha original do filme: simples, porém, serve ao seu propósito.

Na parte técnica o filme é impecável, com uma edição ágil com vários inserts de TV entre as cenas. Porém, apresenta um ponto fraco: nas cenas mais dramáticas, o diretor, Roberto Berliner, não se preocupou muito em deixar a emoção se desenvolver, preferindo seguir mais pelo caminho da comédia até a "redenção" final das irmãs. Funciona, e com boa resposta do público, que pareceu se divertir bastante (assim como eu) com os inúmeros diálogos cômicos do filme. Vale lembrar que a falta de edição é um ponto alto em certa parte, logo após a cena em que uma das irmãs se declara apaixonada pelo realizador do longa, o mesmo diretor Berliner. A cena seguinte é constituída de um único plano longo, em que elas, num quarto de hotel, sozinhas, escutam à música "À Distância", de Roberto Carlos, que dá o tom dramático e de desilusão corretos ao momento. 

Apesar de se tratar de uma história dramática, com um final igualmente dramático, porém com algumas vitórias, saímos da sala de cinema com um sorriso no rosto, pois o documentário nos passa a sensação de que mesmo com inúmeras adversidades, as três irmãs cegas tiveram um final "feliz", pelo menos nas cabeças delas. Chama a atenção o comentário de uma delas de que o cinema é, além de tudo, uma forma de esquecer a realidade, mesmo que a estejamos encarando de frente, como feito nesse filme.

Para finalizar com o tom de bom humor presente ao longo dos 80 minutos de projeção, as irmãs recomendam ao público que escute as músicas delas, regravadas por cantores famosos no Brasil, e que comprem o CD do longa. E funciona. O público ficou na sala até o final dos créditos. Eu quero o CD das irmãs ceguinhas de Campina Grande... mas, infelizmente, para encontrá-lo, talvez seja necessária uma maratona tão grande quanto achar uma sala de cinema no país que esteja com A Pessoa É Para o Que Nasce em cartaz. Uma pena.

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