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junho 10, 2005

A Família da Noiva (2005)

 


Título original: Guess Who
Direção: Kevin Rodney Sullivan
Sinopse: Percy Jones é um pai amoroso, porém rígido, que tem uma grande surpresa ao conhecer seu futuro genro. Percy e sua família são negros e Simon, o noivo de sua filha, é branco. Tudo se complica quando Simon se mostra bastante atrapalhado perto do seu sisudo futuro sogro.


Passou do prazo de validade. Infelizmente foi isso que aconteceu com a proposta apresentada pelo longa A Família da Noiva, uma versão travestida do excelente Adivinhe Quem Vem Para Jantar, de 1967, que trazia Sidney Poitier, igualmente excelente, junto com Katharine Hepburn. Essa proposta aí mencionada era pra ser a mesma do original dos anos 60, porém invertida. Explico: em Adivinhe Quem Vem Para Jantar, Poitier é o namorado (naquela época, noivo) de uma moça branca (para quem não sabe, Poitier é negro), que vai passar um final de semana com os pais dela, que, por sua vez, não o conhecem. Eles então ficam perplexos pela filha deles estar noiva de um negro. E o que é apresentado nessa nova versão é a mesma coisa, sendo que dessa vez toda a família é negra e o noivo (agora, namorado), branco.

O namorado branco é interpretado por Ashton Kutcher, que tem se mostrado um bom ator, não só em comédias totalmente impensadas como essa, mas também em filmes de outros gêneros (vide o excelente Efeito Borboleta). Neste cansativo A Família da Noiva, Kutcher nada pode fazer para desenvolver um personagem fraco, sem força de vontade, que é empurrado de uma cena para outra em direção a lugar nenhum. O personagem Simon (Kutcher) é praticamente o único ator branco do elenco, e isso funciona muito bem para mostrar o "isolamento" que ele está sentindo nos acontecimentos mostrados. Mas não é só o personagem que está isolado. Kutcher também está. A performance dele é a única que não é totalmente caricata, das várias apresentadas pelo resto do elenco.

O filme já começa de uma forma tão óbvia que causa medo ao espectador, logo de cara, pelo que o espera pela próxima hora e meia que será aterrorizado por infindáveis piadas sem graça (como toda a cena da mesa de jantar, em que são contadas inúmeras piadas raciais preconceituosas, e também os numerosos casos e de piadas de cunho homossexual depreciativas que insistem em aparecer por todo o longa). Simon esconde coisas de sua namorada quando ele é pego de surpresa: ele pediu demissão e logo depois descobre que a coisa que seu sogro mais preza é o trabalho. Ele subtrai essa informação então, para a felicidade de todos... do sogro, que vai ficar feliz, de sua namorada, que vai ficar feliz porque seu pai vai ficar feliz e pra dele mesmo, que vai ficar feliz porque os outros dois estão felizes. Complicado, não? Não mesmo. No final das contas, o único que não fica feliz é o espectador, que tem sua inteligência subestimada com cenas tão previsíveis como essa já mencionada e dezenas de outras mais. Só para citar mais um exemplo, quando o casal está no táxi, e o motorista, negro, é insistentemente focalizado, qualquer um com um mínimo de discernimento deduzirá que algo irá acontecer. E realmente acontece. O sogrão acha que o taxista é o namorado da filha e que Simon é o taxista, já que ele se presta a carregar todas as malas para fora do carro (?!).

E por falar no personagem do sogro, ele é terrivelmente interpretado por um Bernie Mac extremamente maquinal, robótico, mergulhando a fundo no estereótipo de ‘pai da noiva’. Resultado de um roteiro mal escrito, por falas óbvias que chegam a doer nos ouvidos, e de uma direção mal executada (o diretor é o mesmo de Barbershop 2), em que até gestos e olhares dos personagens são clichês intermináveis. O personagem de Mac é extremamente neurótico, chegando a irritar antes mesmo da metade do filme. Simon nunca dá motivos para que ele desconfie tanto dele (sabe-se lá de que, isso nunca é dito, ele só "não gosta"). O único problema dele seria ser branco, mas o roteiro apresenta uma fuga fenomenal do argumento inicial. Na maior parte do tempo, a questão racial nem é mencionada.

O filme chega a extremos do absurdo e do ridículo, atingindo o clímax na cena em que o sogro desafia Simon em uma corrida de kart, em uma sequência que não possui qualquer ligação direta com o resto das cenas anteriores ou posteriores. O personagem de Mac causa uma antipatia tão grande no público (e, muito provavelmente, em Simon também), que nos perguntamos porque Simon ainda insiste em ficar na mesma casa que o paranoico "pai da noiva", que chega ao ponto de dormir com ele na mesma cama todas as noites para ‘salvaguardar’ sua filha.

A Família da Noiva não é um zero total talvez somente por uma única cena, que funciona perdida como uma Atlântida de erros crassos e piadas entediantes: no carro, indo para o hotel, é o único momento do longa em que Bernie Mac e Ashton Kutcher se entrosam, enquanto escutam no rádio músicas sobre desigualdade racial, por acaso. Momento esse que culmina em "Ebony and Ivory", de Paul McCartney e Stevie Wonder, que, dadas as circunstâncias, acaba de tornando engraçadíssima. Depois disso, mais alguns bons momentos de Kutcher e só. Por aí acabam as qualidades, mesmo.

Depois de mais de uma hora e vinte minutos de projeção e vinte e cinco olhadas no relógio pra ver se a tortura está prestes a acabar, ainda não dá pra se ver uma conclusão viável à história. Aliás, esse filme poderia até se transformar em novela, já que usa e abusa da "técnica enrolativa", não necessitando de um final crível e rápido. De repente, então, o sogrão fica bonzinho e passa a achar Simon perfeito para sua filha, depois deste o ensinar a dançar (sim, o desrespeito à capacidade intelectual do espectador é assustador).

Um fato curioso é que esse terrível A Família da Noiva tenta copiar descaradamente os exageros de Entrando Numa Fria (Meet the Parents, EUA, 2000). A diferença é que no segundo, tudo funciona, e no primeiro, não. Simples assim. Bernie Mac não consegue ser vilão e engraçado ao mesmo tempo, como Robert De Niro foi em Entrando Numa Fria, nem Ashton Kutcher consegue ser atrapalhado o suficiente como Ben Stiller no mesmo filme. Escalação de elenco errada, o longa sofre com um tenebroso problema de timing, com cenas que parecem se prolongar por toda a eternidade.

E, como a cereja no topo do bolo, somos "presenteados" com um número musical deprimente no final, e, o pior de tudo, cenas durante os créditos finais. Sim, e ainda por cima, com vozes em off. Tinha que ser com vozes em off pra colocar a moldura nesse desastre que é A Família da Noiva. Sinceramente, pra completar o ridículo mesmo, só faltavam as aparições de Didi Mocó e Dedé Santana.

Ao invés de perder seu tempo com esse filme, vá passar o dia com sua sogra. A experiência deverá ser tão "maravilhosa" quanto ver isso aqui... esse amontoado de bobagens que algum dia alguém ousou chamar de filme.

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