Pais adotivos carinhosos, "de mentira", ou uma mãe insana, "de verdade". Ou ainda pior... "avós" fanáticos religiosos? É nesse confronto de ambientes e pessoas tão diferentes que o pequeno Jeremiah é colocado desde seus sete anos de idade. Baseado uma autobiografia que algum tempo depois veio se mostrar uma farsa, Maldito Coração é um tapa na cara não só na dita "moralidade", mas também nos faz pensar se sabemos realmente o que é o ‘certo’ para uma pessoa em formação.
O ponto forte do filme não é somente sua história, de certa forma perversa, mas certamente suas atuações. No papel principal, da mãe completamente insana, mas que às vezes cremos que está realmente interessada em tratar bem seu filho (somente no início do filme, claro), após tirar seu filho do aconchego da casa de seus pais adotivos, está a conhecida Asia Argento (Terra dos Mortos, Triplo X), que também dirigiu e adaptou o roteiro das histórias ‘autobiográficas’ de J.T. LeRoy. Ela confere uma interpretação pavorosa – no bom sentido – de Sarah, a mãe biológica de Jeremiah que insiste em tirar ele ‘do bom caminho’ por diversas vezes durante sua vida. Este menino, por sua vez, é muito bem feito primeiramente por Jimmy Bennett (O Expresso Polar, Horror em Amityville – e dos ainda inéditos Firewall e Poseidon). Está sempre passando uma imagem de que está sendo jogado de ‘um adulto para outro’.
Eis então que seus avós – extremamente religiosos – o levam pra casa deles, onde Jeremiah se sente completamente deslocado. Ao passo que eles (e seus outros filhos, por sua vez, tios de Jeremiah, porém, crianças também) usam passagens da Bíblia para se referir a qualquer assunto, o menino revida cantando Sex Pistols, “eu sou o anticristo”, e por aí vai. Vale notar que os avós são interpretados por ninguém menos que Ornella Muti e Peter Fonda. E vemos também a primeira aparição de John Robinson em telas brasileiras depois de participar do aclamado Elefante, que lançou não só ele, mas todos os adolescentes participantes do anonimato ao estrelato.
Isso é certamente um dos pontos mais interessantes de Maldito Coração: as participações especiais em pequenos, minúsculos papéis. Além dos já citados, ainda temos Marilyn Manson (quase irreconhecível sem a maquiagem costumeira), Michael Pitt, que, mesmo aparecendo pouco, sempre consegue conferir a dramaticidade essencial a qualquer personagem e Winona Ryder, como uma psicóloga... insana, por assim dizer.
No final das contas o resultado é um longa bem pesado. Funciona principalmente até o final do segundo ato, mas a fórmula de criança-espancada-e-nada-mais não é pretexto o suficiente pra aguentar todo o tempo de projeção. Por fim essa conjunção de drogas, sexo, pedofilia, prostituição, punk rock e uma criança vestida de mulher (é, até isso) cansam psicologicamente o espectador. Mas é nada mais nada menos do que uma representação da realidade que acontece por aí e somente fingimos que não sabemos que acontece.